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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Gestão e Organização da Sala de Aula

Maria de Fátima Carneiro Machado
Coordenadora da Equipa de apoios Educativos de Caldas das Taipas

O ser humano é um ser em desenvolvimento, numa permanente inter-relação sujeito-ambiente. Há uma interacção “mútua e progressiva entre, por um lado, um indivíduo activo, em constante crescimento, e, por outro lado, as propriedades sempre em transformação dos meios imediatos em que o indivíduo vive” (Portugal, 1992:37), sendo este processo influenciado pelas relações entre contextos mais imediatos e contextos mais vastos em que aqueles se integram.
 Há assim uma permanente interacção entre um indivíduo activo e um mundo que contextualiza o seu desenvolvimento, não só nos contextos imediatos, mas também noutros mais latos, sociais e institucionais. Verifica-se, deste modo, uma relação recíproca sinergética, sujeito/ambiente e ambiente/sujeito, de uma rede múltipla de relações de intercontextualidade.
Nos contextos em que está inserido e participa, o indivíduo realiza actividades, desempenha papéis e estabelece relações interpessoais, factores determinantes no seu desenvolvimento, como determinantes acabam por ser igualmente as matrizes que moldam a natureza dos contextos e das suas relações. Os contextos assumem, deste modo, na perspectiva ecológica de Bronfenbrenner, uma importância capital. O ambiente sociológico é encarado como uma série de estruturas que se encaixam umas nas outras. Umas mais imediatas que ele vive e experiencia directamente, outras mais afastadas, mas também elas influenciadoras  das condições do seu desenvolvimento. Este contexto mais imediato, integrador das experiências e vivências do sujeito, é denominado por Bronfenbrenner como micro-sistema, enquanto os contextos menos imediatos são o exo-sistema, o macro-sistema e o meso-sistema. O exo-sistema tem a ver com os ambientes  que, não implicando a acção directa do sujeito, acabam por afectá-la ou por ela serem afectados, enquanto o macro-sistema é constituído pelo conjunto de valores e padrões sócio-culturais que sustentam as actividades que ocorrem nos vários contextos de cultura, e o meso-sistema tem a ver com as inter-relações entre contextos em que o indivíduo participa activamente. Assim, a escola será um meso-sistema no micro-sistema do aluno.
Nesta relação sujeito-ambiente, o indivíduo insere-se em diferentes contextos, o que gera o desempenho de novas actividades, de novos papéis, a reestruturação de outras relações inter-pessoais, que possibilitam transições ecológicas, consequências e causas do processo de desenvolvimento e que ocorrem sempre que “a posição do indivíduo se altera em virtude de uma modificação no meio ou nos papéis e actividades desenvolvidas pelo sujeito” ( Portugal, 1992:40 ).
Dada a importância dos contextos no desenvolvimento do indivíduo, poucos acontecimentos podem ocorrer na sala de aula sem uma relação directa com os contextos de aprendizagem. A vida nas salas de aulas tem características de multidimensionalidade, simultaneidade, imediaticidade,  imprevisibilidade, publicidade e historicidade, fazendo com que toda a acção na sala de aula se apresente como um processo sistémico de comunicação. Partindo do princípio de que o que é verdadeiramente importante para o desenvolvimento do indivíduo é o ambiente, tal como se percebe e é vivido, a perspectiva ecológica enfatiza toda a contextualização em que o micro-sistema do aluno se desenvolve no seu meso-sistema da sala de aula.
A investigação tradicional sobre o ensino não se preocupava tanto com a gestão e organização da sala de aula, como  essencialmente com os seus aspectos particulares, focando-se mais nos indivíduo do  que na acção dos professores na sala de aula. Era o reflexo de um paradigma intelectual, mais preocupado com aspectos singulares do que com a dimensão social, com a globalidade. Actualmente, a investigação sobre gestão e organização de sala de aula debruça-se não só sobre o modo como a ordem é estabelecida e mantida, como também sobre os processos que contribuem para o seu estabelecimento, tais como a planificação e organização das aulas, o uso e distribuição de recursos, o estabelecimento e explicitação das regras, a reacção ao comportamento individual e de grupo, o enquadramento em que esta é atingida.
Com efeito, é na sala de aula que se desenvolve a maior parte do processo ensino-aprendizagem, processo este que apresenta duas tarefas estruturais: aprendizagem e ordem. A aprendizagem, de natureza individual, concretiza-se através da instrução, tendo por referência um currículo que os alunos devem dominar, persistindo nos seus esforços para aprender.  De acordo com Doyle, “a ordem realiza-se pela função de gestão, isto é, pela organização de grupos na sala, estabelecimento de regras e procedimentos, reagindo ao mau comportamento, monitorizando e ritmando os acontecimentos da sala de aula (Doyle, 1980 citado por Doyle, 1986:395).
No entanto, estas duas tarefas estruturais do ensino, na prática, não se podem separar. No seu quotidiano, os professores, lidam com elas em simultâneo, instruindo e gerindo os alunos. Assim, uma boa gestão e organização da sala de aula é uma condição para que a aprendizagem possa ocorrer, dado que o envolvimento dos alunos no trabalho está relacionado com a forma como os professores gerem as estruturas da sala de aula, mais do que com a forma como lidam com comportamentos individuais (Doyle, 1986).
De acordo com a perspectiva de que o comportamento dos alunos é, em grande medida, uma resposta aos níveis estruturais e exigências do ambiente, nas salas de aula, às actividades e tarefas que têm de realizar, torna-se necessário compreender como todos estes factores se interligam.
Uma das interpretações é dada pela perspectiva ecológica, para a qual a sala de aula é um cenário comportamental, isto é, uma unidade eco-comportamental composta por segmentos que rodeiam e regulam o comportamento. Tal concepção implica que o fluxo das actividades contenha uma duração temporal (limites temporais de duração), um formato físico (materiais disponíveis e arranjo dos participantes no espaço), um programa de acção para os participantes, e um conteúdo focal (tema ou preocupação central do segmento). Deste modo, os segmentos organizam-se em torno das actividades reconhecendo-se que estas são a unidade básica da organização da sala de aula, pese o facto de outros segmentos nela acontecerem, como refere Doyle (1986), quando menciona a existência de quatro níveis estruturais: a sessão da classe (unidade de tempo definida pelo sinal de entrada e saída das sala de aula, para o intervalo, almoço ou casa); a lição (conjunto de actividades reunido por um conteúdo focal comum); a actividade (padrão distintivo de organização dos alunos para trabalharem numa unidade de tempo dentro da lição); e a rotina (programa de acção suplementar que gere os assuntos de manutenção da sala de aula).
 Os referidos níveis estruturais podem assumir formas diversas, sendo as mais referenciadas a recitação (resposta dos alunos à pergunta do professor, que se relaciona com uma forma específica de organização de falar, facultada pelo levantar do braço); o trabalho no lugar (pode ser trabalho supervisionado e/ou trabalho independente), que favorece a autonomia dos alunos,  podendo, no entanto, levantar problemas de gestão e organização da sala de aula se o professor não for suficientemente atento, ou não fizer o scanning da aula; o trabalho em pequenos grupos; as transições (nas mudanças de contexto). O professor será considerado bom gestor quando marca com clareza o seu início e é capaz de as implementar activamente de forma suave, sem provocar grandes rupturas, possibilitando que a ordem se estabeleça com brevidade. Podemos distinguir as transições menores ¾ quando fala um aluno e depois outro ¾ das  maiores ¾ que são as que ocorrem entre actividades ou fases de uma lição. Há ainda a considerar as interrupções, que são acontecimentos extra-lições, as quais podem provir de dentro, interrupções internas, ou de fora, interrupções externas.                                                                                                                                      
Uma vez a ordem instaurada na sala de aula, os alunos seguem, dentro de limites aceitáveis, o programa de acção previsto e necessário para que determinado acontecimento ocorra. Deste modo, a ordem difere consoante os diferentes tipos de actividades, evidenciando-se em contextos específicos, que o professor desenvolve. Portanto, a ordem na sala de aula exprime a função de gestão do ensino e, segundo este ponto de vista, materializa-se no contexto em que está a ocorrer, sendo fruto das interacções decorrentes dos participantes e dos arranjos elaborados para os fins previstos, pelo que pode ser, em última instância, considerada de natureza eminentemente social.
A ordem apresenta-se, entretanto, como uma das condições para a cooperação dos alunos, sendo esta o requisito mínimo para o bom funcionamento das actividades. Constructo social, a cooperação reflecte a necessidade de as actividades na sala de aula serem construídas pelos participantes, que assumem assim uma atitude de envolvimento activo no programa de acção. Tal envolvimento pode não existir sem que, por tal motivo, seja posta a ordem em causa. Na verdade, o envolvimento passivo pode não gerar a desordem, mas não compromete cooperativamente os alunos, que só quando maioritariamente envolvidos criam condições de sucesso da actividade.
O envolvimento dos alunos nas tarefas académicas e a ordem na sala de aula podem também ser influenciados pela natureza das matérias. De facto, vários autores chamam a atenção para a importância da compreensão e gosto da matéria pelos alunos, como factor da diminuição do risco de desordem na sala de aula. O nível de exigência  do trabalho académico pode ser também factor contributivo para o aumento dos comportamentos disruptivos. Efectivamente, quando o trabalho académico envolve um nível superior de processos cognitivos, como a compreensão, raciocínio e formulação de problemas,  gera ambiguidades e riscos para os alunos. Como reacção a tal situação, os alunos tendem a aumentar a clareza das especificações por parte do professor, contribuindo assim para uma diminuição do fluxo da instrução, reduzindo o envolvimento no trabalho e contribuindo para a indisciplina na classe. Pelo contrário, tarefas simples envolvendo operações mentais menos complexas e mais aglutinadoras, provocam maior adesão à aula e menos resistência  ao trabalho académico. Nem sempre é fácil criar actividades de aprendizagem que interessem, simultaneamente, os alunos mais capazes e os menos capazes. (Arends, 1995:122).
Este interesse dos alunos na actividade pode também ser influenciado pelo contexto da sala de aula que com as suas propriedades específicas, acaba por influenciar os participantes. Entre estas características, podemos realçar, segundo Doyle (1977, 1980, 1986) a multidimensionalidade, a simultaneidade, a imediaticidade, a imprevisibilidade, a publicidade e a historicidade, já anteriormente referidas.
A multidimensionalidade refere-se à grande quantidade de acontecimentos e tarefas na sala de aula que, devido ao número dos alunos, implicam uma programação, planificação e orquestração adequadas. Por seu lado, a simultaneidade reflecte o grande número de acontecimentos que acontecem ao mesmo tempo na sala e aos quais o professor tem de prestar a devida atenção. Enquanto dá apoio individualizado a um aluno, o professor não pode perder de vista os restantes, não deixando criar interrupções. A imediaticidade expressa a rapidez com que fluem os acontecimentos, o que nem sempre facilita a reflexão do professor sobre os mesmos. Quanto à imprevisibilidade, refere-se ao rumo inesperado que muitas vezes tomam os acontecimentos e as interacções. A publicidade tem a ver com o facto de as salas de aula serem lugares públicos, onde as regras e valores são julgados por todos. A não actuação por parte do professor face a um comportamento disruptivo pode levar os alunos à reincidência ou desenvolvimento do mesmo. No que se refere à historicidade, ela reflecte as vivências comuns que a classe adquire pelo facto de viver conjuntamente durante toda a semana.
Estas características apontadas por Doyle reflectem-se no contexto da sala de aula, influenciando os comportamentos, quer dos professores, quer dos próprios alunos. Neste contexto sobressaem ainda a organização do espaço físico e a forma de supervisão (individual ou grupal). O rendimento dos alunos pode ser afectado pela proximidade ou distanciamento do professor, gerando-se, com o aumento espacial entre eles, um decréscimo de rendimento nas actividades e um crescendo de comportamentos disruptivos.
Outro factor que influencia o comportamento dos alunos é a existência das regras. Na verdade, da sua compreensão e legitimidade decorre, em grande parte,  a sua aceitação, permitindo assim que elas desempenhem um papel de regulador funcional. De facto, ao estabelecerem as condições para a instrução, ou ao restabelecê-las, quando são quebradas, regulam as condições  de harmonização do sistema normativo com o sistema produtivo na sala de aula (Estrela, 1992:52). Quando existe harmonia entre os dois sistemas, um acaba por reforçar o outro. Esta harmonia acaba por ser desrespeitada, quando as regras subjacentes a cada formato de actividades ou não são devidamente definidas, ou não consideram os contextos em que se vai desenrolar a actividade. Geram-se assim comportamentos desviantes, desrespeitantes da ordem, cujo grau depende também da força do vector primário e do tempo de intervenção que ocorre antes do vector secundário ter ganho força.
Ao professor eficaz cabe criar a ordem, estabelecendo actividades, antecipando os maus comportamentos e cerceando-os, quando surgem (Doyle, 1986:421). Compete-lhe criar ambientes produtivos, na consciencialização de que a ordem, mais do que imposta, tem de ser vivida, construída, no microssistema da sala de aula. É nesta consciência que se começará por ser complacente com a regra, cooperante com ela, decidindo-se, em última análise, aceitá-la, adoptando-a!
 
Bibliografia
ARENDS, I. Richard. (1995). Aprender a Ensinar. Amadora: McGraw-Hill de Portugal.
DOYLE, W. (1986). Classroom Organization and Management.  In Witrock, M. (ed.). Handbook of Research of Teaching. New York: Mc Millan.
ESTRELA, Maria Teresa. (1992). Relação Pedagógica, Disciplina e Indisciplina na Aula. Porto: Porto Editora.
PORTUGAL, Gabriela. (1992). Ecologia e Desenvolvimento Humano em Bronfenbrenner. Aveiro: Cidine.