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quarta-feira, 7 de março de 2012

Construtivismo e alfabetização: um casamento que não deu certo

Autor do artigo - João Batista Araujo e Oliveira
Consultor, Presidente da JM-Associados2
Publicado na Revista Ensaio, V. 10, N. 35, Abril-Junho 2002. pp. 161-2000


Síntese
O presente artigo tem três objetivos: apresentar os pressupostos das propostas construtivistas de alfabetização, demonstrar como as evidências empíricas apontam para o equívoco dessas propostas e sugerir novos caminhos para retomar a questão da alfabetização a partir de uma sólida base de conhecimentos científicos teóricos e empíricos o que permitiria ao Brasil superar a posição de último colocado no ranking mundial de qualidade no ensino da leitura e escrita (OECD, 2001).
O artigo se divide em seis partes. Na primeira analisa as propostas construtivistas de alfabetização. Nas três seguintes apresenta algumas considerações de natureza lógica e evidências empíricas que demonstram o equívoco dos pressupostos, hipóteses e métodos construtivistas. Na quinta parte analisa possíveis causas da popularidade do construtivismo e na sexta parte apresenta sugestões e aponta caminhos para a recolocação do problema da alfabetização.
I-
A proposta construtivista de alfabetização
É muito difícil definir o que seja “construtivismo”. No Brasil não existem propostas teóricas originais que permitiriam caracterizar algum autor nacional como “construtivista”. O que existe são pessoas que se auto-intitulam construtivistas seja divulgando idéias e instrumentos desse movimento seja considerando-se um praticante dessas idéias. Muitos autores são citados em conexão com as idéias construtivistas. Os mais citados são Piaget e Vigotsky que compartilham entre si algumas idéias e divergem frontalmente em outras. Mais comumente são pouco lidos e muito incompreendidos.
Há diversos pesquisadores, educadores e autores como Ana Teberovsky, Emília Ferreira, M. Jolibert ou César Coll que são considerados como protagonistas de aplicações práticas de princípios construtivistas, e que gozam de imensa popularidade nos meios educacionais brasileiros. Existem pessoas e instituições como o GEEMPA, o CENPEC ou a Escola da Vila que desenvolvem propostas associadas com essa linha de pensamento. Inúmeros documentos oficiais e técnicos do Ministério da Educação, a partir de 1996, passaram a adotar uma linguagem e perspectivas próprias das propostas e orientações de base construtivista. O mesmo ocorre em inúmeras propostas e orientações pedagógicas de Secretarias de Educação.
E, naturalmente, existe uma legião de educadores que se intitulam construtivistas. Num estudo intitulado “A escola vista por dentro” (Oliveira e Schwartzman, 2002), mais
2 O autor agradece os comentários e valiosas sugestões de Simon Schwartzman.
de 60 % dos professores alfabetizadores se declaram construtivistas ou seguidores de métodos construtivistas. Em enquete publicada pela Revista Veja realizada junto a centenas de escolas particulares no Rio de Janeiro e São Paulo no segundo semestre de 2001, mais de 90% dos responsáveis nessas escolas se identificam com o construtivismo. Portanto, a disseminação de conceitos, idéias e a capacidade de gerar adesões e simpatias do movimento construtivista pode ser considerado como um retumbante sucesso no Brasil.
Apesar desse sucesso, há poucos trabalhos de natureza teórica, conceitual ou empírica, no país que permitiriam uma análise objetiva do que seria o construtivismo, tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista operacional. Por essa razão, é possível que muitos adeptos do construtivismo não identificariam suas posições com propostas de alfabetização de Secretarias de Educação que se consideram construtivistas ou com práticas de alfabetização adotadas por professores que se auto-declaram construtivistas. À falta de conceitos seguros e evidências empíricas mais rigorosas, resta examinar a literatura internacional para examinar de onde vieram essas idéias e qual o seu impacto sobre a alfabetização, nos países em que foram adotadas.
Um exame da literatura internacional também não oferece resultados muito satisfatórios que ajudem a definir o que seja o “construtivismo”. Seria mais fácil e adequado caracterizar o construtivismo como um “movimento” de educadores do que como uma teoria, no sentido formal da palavra. Uma teoria pressupõe a existência de pressupostos que podem ser verificados e falsificados, se houver evidência contrária. Isso não ocorre com muitos dos pressupostos construtivistas, que, como analisado na seção II, ou são apresentados como “verdades de fé” - por exemplo – “a criança constrói seu próprio conhecimento”, ou são apresentados em tal nível de generalidade que ninguém poderia discordar – como a importância da leitura, o respeito ao nível de desenvolvimento do aluno ou à necessidade de prover materiais interessantes de leitura.
O termo “construtivismo” não pode ser aplicado indistintamente a pesquisadores que se inspiram no pensamento de Jean Piaget. Seguidores das teorias e propostas de Jean Piaget, inclusive alguns de seus mais fiéis seguidores, como por exemplo o piagetiano John Flavell ou o neo-piagetiano Robbie Case desenvolveram brilhantes carreiras acadêmicas qualificando e sobretudo desconfirmando muitas das propostas do mestre de Genebra. Seria difícil conceber que Piaget se reconhecesse como “construtivista” a partir de quaisquer dos enunciados que serão analisados abaixo.
No caso específico da alfabetização e do ensino da leitura e escrita – objeto do presente trabalho - há uma grande confluência, que seria melhor denominada de confusão, entre o movimento construtivista e o chamado movimento da “whole language” que teve grande desenvolvimento sobretudo mas não exclusivamente nos países anglo-saxões. Esse movimento gerou o que foi denominado por Jeanne Chall (1967) como o Grande Debate, e alimentou, durante pelo menos 3 décadas, verdadeiras guerras entre duas orientações divergentes a respeito do processo de alfabetização. Esse debate e seu desfecho – uma vez demonstrados os equívocos da maioria das propostas construtivistas de alfabetização e dos métodos delas decorrentes - ainda continua praticamente desconhecido tanto na literatura acadêmica quanto no ensino da pedagogia e nas práticas de alfabetização no Brasil.
Comecemos por esclarecer os termos do debate para tornar a discussão objetiva e focada. Bergeron (1990) realizou um levantamento da literatura sobre construtivismo aplicado à alfabetização e identificou, em 64 artigos um vasto conjunto de definições que variam desde um enfoque, filosofia, orientação, teoria, orientação teórica, programa, currículo, perspectiva em educação até uma atitude mental. Em NENHUM artigo ela encontrou uma definição ou referência à origem desse termo. No entanto, ela identificou diversos aspectos comuns a essas definições. Em ordem de importância: ler é construir sentido a partir de um texto; ensino centrado no aluno; empoderamento dos professores; integração curricular; leitura compreendida como um fenômeno natural, igual à aprendizagem da fala. Com base no que viu, Bergeron (op. cit. p. 319) conclui como sendo os aspectos principais desse “movimento”:
“.... A construção do conhecimento, daí a ênfase colocada na compreensão do que é lido; a ênfase na linguagem funcional, ou linguagem que tem objetivo e relevância para o leitor; uso da literatura numa variedade de formas; processo de escrita que incorpora as atividades de escrever, rever e editar; aprendizagem cooperativa; ênfase nos aspectos afetivos da experiência de aprendizagem, tais como motivação, entusiasmo e interesse”.
Se esses são os termos, onde estaria o debate? Que alfabetizador, ou de resto, que educador poderia discordar dessas afirmações?
Para melhor focalizar os termos do debate, Bergeron listou algumas das implicações práticas e recomendações mais específicas de seguidores desse movimento: uma profunda ojeriza pelo uso de textos nos quais o vocabulário e a estrutura da linguagem é controlada (em oposição aos chamados “textos autênticos); oposição a qualquer forma de ensino formal e estruturado da alfabetização; repúdio à idéia de que alfabetização implica o desenvolvimento de habilidades específicas; e, consequentemente, uma aversão a atividades que envolvam exercitação, fixação de conhecimentos e avaliação.
Um aspecto decisivo, ressaltado na análise de Bergeron, separa os “campos de batalha”: a total descrença dos construtivistas a qualquer método de alfabetização que ensine a correspondência entre as letras e seus respectivos sons. Ou seja, a rejeição de qualquer proposta de alfabetização e de ensino da leitura baseada em métodos fônicos e de ensino da codificação. Como documentado nas referências apresentadas ao longo deste trabalho, esses pressupostos básicos foram cabalmente rejeitados por centenas de estudos empíricos, embora continuem a integrar as teorias, práticas pedagógicas e, sobretudo, o discurso oficial sobre alfabetização no Brasil.
Um exame mais detalhado de algumas das afirmações dos seguidores dessas correntes poderá esclarecer o debate. Dividimos a discussão em três partes. Primeiro analisamos três pressupostos teóricos do construtivismo: (i) a construção do conhecimento; (ii) a possibilidade de ensinar; (iii) o que significa alfabetizar. Depois discutimos as duas hipóteses centrais da proposta construtivista: (i) a hipótese da aprendizagem da leitura e escrita como fenômeno natural e (ii) a necessidade ou não de consciência fonêmica e de decodificar letras e fonemas. Esta é seguramente a questão mais controvertida no ensino da alfabetização, e também a que foi mais pesquisada sobretudo nos últimos 30 anos. Por
fim discutimos a evidência empírica a respeito das aplicações práticas do construtivismo em sala de aula.
O artigo e suas conclusões demonstram a falta de sustentação conceitual, teórica e empírica do movimento construtivista. As evidências e conclusões aqui apresentadas se limitam às propostas e aplicações construtivistas à alfabetização no senso estrito e ao ensino da leitura e escrita. É possível que as afirmações aqui contidas se apliquem a outras inferências e aplicações do construtivismo a outros níveis e tipos de ensino, mas este não é o propósito do presente trabalho.
2-
Três pressupostos teóricos do construtivismo
(i)
A construção do conhecimento
O termo “construção do conhecimento”, embora políticamente correto, é desprovido de validade filosófica e utilidade científica no domínio da psicologia cognitiva. Tanto que é raramente usado em textos científicos ou mesmo nos livros de texto universitários da maioria dos países industrializados, nos quais se origina o maior esforço de produção científica.
Do ponto de vista filosófico, afirmar que cada pessoa constrói o seu próprio conhecimento eqüivale a anular a própria possibilidade do conhecimento e a possibilidade de compartilhar esse conhecimento através da linguagem – esse instrumento desenvolvido pela humanidade para compartilhar sentidos comuns. No extremo, a afirmação de que todo conhecimento é idiossincrático se enquadra na equivocada posição filosófica conhecida como solipcismo.
É correto afirmar que todo conhecimento é elaborado individualmente, que cada pessoa elabora e estrutura, a seu modo, os estímulos que recebe do meio ambiente. Mas isso é uma verdade que se aplica a todo tipo de experiência – dançar, escutar música, ver o pôr do sol, aprender física. Cada um de nós vivencia e interpreta diferentemente as coisas. O que acontece em nosso cérebro só acontece em nosso cérebro, nesse sentido é um fenômeno único, como cada pessoa “constrói” a sua apendicite, o seu câncer ou o seu estado de vigor atlético.
Mas o fato dessas coisas ocorrem com as pessoas não significa que elas se constituam necessariamente num fenômeno individual no sentido idiossincrático, no sentido de ser exclusivo. Apesar das grandes controvérsias existentes em torno da questão da objetividade do conhecimento, dois pontos parecem convergir. O primeiro é que o processo de construção de saber é um empreendimento coletivo, e não individual. Isso se aplica ao saber filosófico, ao saber científico, aos artefatos da cultura, ao saber do senso comum. O segundo é que o mundo “externo” – físico, social, natural, humano – não é passivo, e não pode ser construido de qualquer maneira.
No que interessa à presente discussão, seria apropriado afirmar que o processo educativo tem como elemento central fazer com que os jovens se “socializem”, e incorporem a herança e o patrimônio cultural de sua sociedade. Isto não deve ser algo
passivo, porque este patrimonio é sempre reinterpretado; mas também não se pode fazer tabula rasa da cultura comum. A vida individual e social, a linguagem, a comunicação, inclusive a ciência e a filosofia só se tornam possíveis porque compartilhamos a comunalidade de sentido e de valores através da vida em comunidade.
Isso se aplica a todo e qualquer tipo de conhecimento. O conhecimento sobre o mundo exterior e as maneiras de interpretá-lo é estruturado no cérebro, através de conexões neurológicas que se tornam cada dia mais bem conhecidas e mapeadas. O conhecimento é estruturado em cada cérebro, as estruturas formadas são pessoais, mas apresentam muito mais semelhanças do que diferenças no processo de sua aquisição, estruturação e uso. Não fora assim não existiria a possibilidade de se falar e fazer ciência cognitiva – já que não há cohecimento científico do que individual, único e irrepetível.
Isso, naturalmente também se aplica à leitura e à alfabetização. Todo texto tem brechas e margens para interpretação. Essas brechas são preenchidas através da experiência do leitor, de seu background. O resultado da leitura é sempre o produto da interação entre o leitor e texto – daí porque um mesmo texto pode levar diferentes leitores a extrair dele diferentes significados. Mas isso significa apenas que, embora cada um de nós faça sua leitura individual de um texto, existe uma comunalidade de sentido, o texto deve comunicar um sentido que é comum a todos os leitores. Podemos atribuir uma moral diferente à uma fábula de LaFontaine, mas não podemos retirar a moral das fábulas, ou substituir a nossa pela moral do autor. Uma coisa é decodificar o que está escrito, inclusive dentro do contexto e das circunstâncias do autor – e isso se aplica a qualquer texto. Outra coisa é a compreensão e interpretação, que é relativa às experiências do leitor.
Torna-se óbvio que do ponto de vista lógico, filosófico e científico que o termo “construir conhecimento”, não pode referir-se a um relativismo absoluto, seja em relação à aprendizagem (tudo que aprendemos seria relativo à nossa forma pessoal de aprender) de modo geral, seja referente à verdade idiossincrática de cada texto (só existe o texto que eu leio e cujo significado, isto é, cuja interpretação e sentido eu “construo”). Isso simplesmente não faz qualquer sentido.
Resta, portanto, a possibilidade de uma interpretação branda do termo: “construir conhecimento” é apenas um neologismo inventado pelos pedagogos para substituir os termos clássicos e usuais da psicologia da aprendizagem e da psicologia cognitiva, tais como aprender, atribuir significado, aprender com compreensão, aprendizagem ativa ou participativa, elaboração mental, etc. Se essa for a intenção do termo “construir conhecimento”, resta indagar se teria qualquer utilidade como construto teórico, e caso tenha, que vantagens teria em relação aos termos usuais da ciência cognitiva.
(ii)
a possibilidade de ensinar: ninguém ensina nada a ninguém?
A afirmação “construir conhecimento” é comumente associada a uma outra afirmação de base construtivista, “ninguém ensina ninguém”. A frase-chavão completa é: “ninguém ensina ninguém, o aluno constrói o seu próprio conhecimento”. Daí a preferência construtivista pelos métodos ditos socráticos. A validade da segunda parte da proposição já foi descartada na seção anterior, examinemos as implicações da primeira.
Nada mais oportuno e instrutivo do que o diálogo Menon, em que o personagem Sócrates tenta qualificar o menino-escravo para que ele se torne capaz de demonstrar algum conhecimento sobre geometria. Cabe inicialmente uma pergunta: por que o personagem Sócrates usou exemplos de geometria euclidiana (que estava sendo elaborada por essa época), e não teria usado conhecimentos de geometria não-euclidiana (que ainda não haviam sido “produzidos” pela comunidade científica)? Ora, o personagem Sócrates só pode ajudar o menino escravo porque ele, Sócrates, conhecia a geometria euclidiana. Diferentemente dos demais animais, a acumulação e transmissão do conhecimento é própria da espécie humana. O processo de produzir conhecimento (no sentido de descobrir e criar novos conhecimentos) não é necessáriamente o mesmo processo envolvido na transmissão de conhecimentos. Além do que o segundo pressupõe o primeiro.
O exemplo acima permite várias conclusões importantes sobre a natureza do método Socrático e de suas implicações pedagógicas. No momento, o objetivo é apenas o de registrar que – contráriamente ao uso leviano do termo “método socrático” - trata-se de um método extremamente rigoroso e eficaz, mas que pressupõe a existência de um verdadeiro mestre e supõe, por parte deste, fortes requisitos de conhecimento. O personagem Sócrates só podia ajudar o menino-escravo porque conhecia geometria e dominava com maestria a arte da maiêutica. O mestre só é mestre por que tem conhecimentos e, por tê-los, por ajudar outrem a aprender. O método Socrático, que usa um estilo didático indireto, dialógico e extremamente sofisticado e exigente - não nega a possibilidade de que uma pessoa possa ensinar a outra: isso seria negar a própria experiência da humanidade e a possibilidade de criar cultura e linguagem.
A transmissão de conhecimentos também é ilustrada pelo próprio processo de transmissão e aquisição da linguagem. Esta é outra área onde propostas construtivistas esbarram com explicações científicas mais elaboradas. Há pelo menos quatro teorias divergentes a respeito do tema – Chomsky, Whorf, Piaget e Vygotsky – e alguma evidência empírica a respeito de algumas delas. O assunto será elaborado adiante com maior profundidade. Embora a linguagem seja algo natural, as pessoas só aprendem a falar porque existem outras pessoas perto delas. Vygotsky percebeu o fenômeno corretamente e atribuiu um papel bastante amplo ao ambiente externo. Recentes descobertas da neuro-, particularmente as realizadas nas últimas décadas parecem sugerir que não são apenas as crianças que nascem com uma “programação” neuronal que lhes permite aprender a ler, mas também as pessoas que com elas interagem também foram “programadas” para reagir de certas formas às provocações e interações lingüísticas das crianças, e dessa forma, ajudá-las a desenvolver a linguagem. Ou seja: a biologia não apenas tornou possível o desenvolvimento “natural” da linguagem nas crianças, mas equipou os adultos com mecanismos que lhes permitem responder de formas extremamente padronizadas, estruturadas e previsíveis, que favoreçam esse desenvolvimento. O papel do interacionismo é crucial, mas opera de forma diferente da imaginada por Leo Vygotsky. Como afirmar que ninguém ensina ninguém?
A própria experiência histórica da humanidade também comprova não apenas a possibilidade, mas as vantagens do ensino – imagine quantos milênios a humanidade levou
para descobrir que ervas eram ou não venenosas – e a utilidade de transmitir esse conhecimento de forma organizada.
Um exercício de lógica elementar permite sintetizar essa discussão e escapar da lógica do absurdo que caracteriza esse tipo mais usual e difundido de discurso construtivista. Um dos conceitos mais interessantes derivados das concepções pedagógicas de Vygotsky (1978) é o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Ele observou que as crianças aumentam muito seu desempenho quando ajudadas por adultos. A ZDP consiste na diferença entre o que uma criança pode fazer sozinha e o tanto de ajuda de que necessita. A função do adulto é identificar o nível de ajuda necessária e apoiar a criança, ou seja servir de andaime para que ela progrida. Seria difícil inferir, dessas informações, que “ninguém ensina nada a ninguém”, e que a criança vai “construir” seu próprio desenvolvimento ou conhecimento.
O conceito de ZDP foi adotado por diversos seguidores de Vygotsky e encontra eco na psicologia cognitiva (Bodrova & Leong, 1966; Olswang et. Alia. 1992; Pressley et al. 1996). As pesquisas de Ausubel, em particular, reforçam a importância de estratégias adequadas de “apoio” para que a criança possa aprender. Fry (1992) acentua a importância de calibrar o nível de intervenção de acordo com a necessidade da criança. Berk e Winsler (1995) observam a variedade de estratégias de “apoio” em diferentes culturas. Bruner (1983) demonstra como diminuir a quantidade de apoio em função do desenvolvimento da auto-suficiência do aluno. Com base nessas idéias, autores como Norris & Hoffman (1990) apresentam um continuum de enfoques que vão desde uma assistência mínima à criança (perguntas abertas, troca de opiniões entre adultos e crianças), mero encorajamento, até atividades instrucionais extremamente detalhadas. O que podemos aprender da apresentação dessas evidências?
Numa primeira hipótese, poderíamos dizer que pelo menos o sócio-construtivismo não endossa a idéia de que ninguém ensina a ninguém. Apoiar, colocar andaimes ou prover instrução específica dependendo da necessidade refutariam essa hipótese. Ou seja: tudo indica que Vygotsky e/ou seus seguidores afirmaram algo que foi entendido corretamente por um conjunto de pessoas, que comunicaram corretamente essa informação a outros. Ou seja, todos “construiram” o entendimento do conceito de ZDP de forma muito semelhante – permitindo inclusive o teste empírico de sua validade e inúmers, férteis e interessantes aplicaçõs. A “construção do conhecimento”, tanto no seu processo quanto em seus resultados não é algo idiossincrático, ou não é algo tão idiossincrático quanto postulam determinados construtivistas. O termo seria apenas um eufemismo para dizer que pessoas diferentes, em países e com línguas diferentes, conseguem desenvolver um entendimento comum a respeito do que algúem disse na Rússia por volta de 1930.
Uma hipótese mais radical seria afirmar que não importa se Vygotsky disse ou deixou de dizer: o que interessa é como os leitores de Vygotsky “constróem” o seu conceito de ZDP. A partir desse ponto de vista, a objetividade científica, a convergência das verificações empíricas e o entendimento comum seria mera coincidência, resultado de “construções individuais”. A realidade só existe aqui e agora, não existe o Vygotsky original, só o Vygotsky que cada um concebe em sua mente. Imagine se os cirurgiões e
pilotos de avião fossem educados a partir desses conceitos de aprendizagem e transmissão de conhecimentos...
Portanto, a não ser que se trate de uma afirmação de caráter vago e geral, dizer que “ninguém ensina nada a ninguém, a criança constrói o seu próprio conhecimento” é uma frase não apenas equivocada, mas desprovida de qualquer utilidade conceitual ou prática.
(iii)
O que significa alfabetizar
A história da escrita tem aproximadamente 20 mil anos, iniciada com os pictogramas das cavernas. Há cerca de 5 mil anos os sistemas ideográficos de escrita sofreram uma evolução que ocorreu de forma mais ou menos simultânea na China, na forma de ideogramas, e entre os povos Sumérios, através da escrita cuneiforme. Esta, or sua vez, deu origem aos sistemas silabários ou silábicos (ainda característicos de sistemas escritos no Japão, por exemplo). Os hieroglifos, no Egito, se desenvolveram há cerca de 4 mil anos, e progressivamente adquiriram uma conotação silábica, mais do que pictográfica. O comércio internacional facilitou a disseminação desses símbolos. Os Fenícios, por primeira vez, desenvolveram um sistema de escrita composto por 22 sílabas, incluindo combinações de vogais e consoantes e de consoantes separadas. Por volta do ano 1.000 AC os gregos, que haviam importado a escrita fenícia, superaram algumas das limitações dessa escrita e introduziram um sistema escrito verdadeiramente alfabético (Pedersen, 1959; Ouaknin (1999).
A palavra alfabeto deriva das duas primeiras letras do sistema grego, alfa e beta. Alfabetizar, em todas as línguas e em todos os tempos, incluindo os tempos atuais, significa, originariamente, aprender a usar o alfabeto para escrever e ler. Alfabetizar significa saber identificar sons e letras, ler o que está escrito, escrever o que foi lido ou falado e compreender o sentido do que foi lido ou escrito.
A invenção do alfabeto sempre foi saudada com entusiasmo. Inventar o alfabeto constituiu-se num formidável esforço de atribuir um valor sonoro às suas representações gráficas INDEPENDENTEMENTE DE SEU SIGNIFICADO – uma revolução copernicana em relação aos ideogramas – em que cada ação ou objeto tinha apenas uma representação. A complexidade do sistema alfabético é uma possível razão pela qual a humanidade levou tanto tempo para desenvolvê-lo (Gelb, 1952).
Embora todos celebrem o alfabeto e as virtudes da leitura, um dos aspectos mais combatidos pelos construtivistas é a idéia de ensinar às pessoas exatamente essa extraordinária conquista da humanidade - a correspondência entre letras e sons – tornando desnecessário o trabalho uso e a extenuante memorização de milhares de símbolos. Os construtivistas que adotam essa postura condenam seus alunos a refazerem, sozinhos, essa complexa e multi-milenar caminhada da humanidade utilizando métodos que, de resto, nada têm de socráticos.
Num primeiro momento poder-se-ia supor que trata-se de uma mera questão de postura metodológica diante do ensino da língua, uma mera questão de ênfase. É provável que muitas pessoas que se identificam com o construtivismo não chegam ao radicalismo de
proscrever totalmente o ensino da associação entre letras e sons. Tratar-se-ia, nessa versão mitigada, apenas de uma ênfase maior atribuída pelos construtivistas à semântica, à compreensão (ou construção) do sentido. Os demais níveis de organização da linguagem que subjazem à semântica – tais como o nível fonológico,ortográfico, morfológico, sintático – simplesmente não seriam considerados importantes. Mas, aparentemente, não se trata de mera questão de ênfase ou apenas de dúvida metodológica.
O termo alfabetização – como tantos outros- tornou-se políticamente carregado. E as posturas construtivistas relativas ao conceito de alfabetização não se limitam a questões de natureza metodológica, que de resto podem ser dirimidas empiricamente, como faremos na seção posterior. Elas são parte de um contexto socio-cultural masis abrangente.
Palavras são meios para comunicar e formar comunidades de sentido, mas também são armas para guerras e instrumentos para dividir. Desde o tempo dos romanos, o termo “alfabetização” carregava dois sentidos: a capacidade de ler e escrever, de um lado, e a conotação de “ser educado”, de outro. Trata-se de aspectos diferentes que precisam ser entendidos devidamente.
O argumento construtivista de que “reconhecer palavras” - no sentido mais elementar da alfabetização utilizado desde o tempo dos romanos - não é o mesmo que ler, já que ler implica compreensão - merece consideração. Ou seja: será que as pessoas que aprendem primeiro a ler, para depois compreender, compreendem menos? Diversos estudos empíricos demonstraram que, ao contrário do que postulam os construtivistas, quem sabe ler direito (no primeiro sentido da palavra) é quem compreende melhor os textos que lê. A evidência é abundante, alguns exemplos podem ser colhidos em Bradley e Bryant (1985); Brown e Felton (1990; Cunningham (1990), Evans e Carr (1985; Hatcher, Humle e Ellis (1994); Iversen e Tunmer (1993); Olofsson (1993); Pflaum, Walberg, Karegianes e Rasher (1980); Tunmer e Nesdale (1995).
A diferença conceitual feita pelos romanos atualmente se traduz em dois termos, alfabetização (saber ler e escrever) e letramento (ser educado). Essa distinção seria útil se servisse para abordar com propriedade o estágio inicial da alfabetização, discutido no presente trabalho, de forma distinta dos outros significados que o termo educado possa vir a adquirir. Fala-se em alfabetização funcional. Alfabetização alternativa. Alfabetização para a libertação. Fala-se em alfabetização informática, alfabetização histórica, musical, alfabetização numérica (numeracy), alfabetização para o Mercosul, para a globalização. O problema é que, na prática, esses adjetivos são freqüentemente usados para confundir o sentido e objetivo da alfabetização no sentido originário de saber ler e escrever, e ajudam mais a obscurecer do que a iluminar a discussão.
Street (1993), partindo de uma perspectiva etnográfica, propõe o conceito de “a nova alfabetização”. Segundo ele, não existe alfabetização, mas alfabetizações. A alfabetização e o valor de alfabetizar só podem ser definidos socialmente. Para ele, haveria tantas alfabetizações quantos grupos sociais. As idéias de Street, na verdade, abarcam três pressupostos subjacentes sobre alfabetização que influenciam a cosmovisão dos enfoques aqui discutidos e de seus proponentes. A primeira idéia já foi discutida no ítem anterior – o
relativismo cultural. Os outros dois conceitos são os de alfabetização social e política, que analisamos apoiados nas observações e análises de Philip Gough (1999).
A alfabetização é “social”. Em seu livro, The Ethnography of Reading, Boyarin (1993) pretende dissolver o “estereótipo” do leitor isolado, mostrando que a leitura se faz sobretudo em grupos sociais. Para ele, o sentido do que seja “alfabetizar” e a importância de alfabetizar seria matéria a ser negociada em cada sociedade.
É difícil negar que a leitura é algo social – da mesma forma que o são os hábitos de higiene ou as conversas que mantemos com outras pessoas sobre os efeitos da aspirina. Mas conversar sobre aspirina não converte a aspirina, que é uma droga, numa atividade social. O mesmo ocorre com o ato de ler, que é eminentemente individual, e tipicamente solitário. Confundir o ato de ler e o leitor com a sociedade em que ele vive e delimitar e determinar a leitura e suas interpretações a uma comunidade específica é, no mínimo, distorcer o sentido da linguagem ordinária. O fato da alfabetização e a leitura terem implicações sociais não as tornam socialmente determinadas.
A alfabetização é “política”. Esse tema foi particularmente difundido no Brasil pelas idéias de Paulo Freire, mas é tema recorrente em todo o mundo. A alfabetização (como a escolarização) sempre foram temas políticos, e ambos sempre foram politizados. Revoluções como a de Cuba ou Nicarágua, para dar apenas dois exemplos próximos e recentes, utilizaram a alfabetização como instrumentos de conscientização, revolução ou doutrinação3. Nessa mesma linha de pensamento da politização da alfabetização, outros autores, como Willinsky (1994) referem-se à palavra escrita como “o sistema de comunicação de massas do capitalismo protestante e da classe média”, insinuando a implicação de que ensinar a ler equivale a inculcar esses valores, e ignorando o fato empírico e histórico da utilização da palavra escrita por todas as religiões e sistemas políticos e econômicos.
Trata-se, novamente, de confusão terminológica: uma coisa é o uso político da alfabetização, a outra é dizer que a política, ou a doutrinação, é o objetivo básico e primordial de alfabetizar. Politizar e ideologizar a alfabetização não ajuda nem a alfabetizar nem a formar cidadãos capazes de pensamento independente e crítico.
Para tratar produtivamente o assunto, o termo “alfabetizar”, domínio da psicologia cognitiva, da psicologia da aprendizagem e da pedagogia precisa ser usado no sentido correto, aplicado a cada situação. Nesse trabalho, e no primeiro ano do ensino fundamental, o que importa é o primeiro sentido do termo. Isso não significa ignorar o contexto histórico, antropológico, social e político em que ocorre a alfabetização e seus usos. Nem o sentido segundo, de alfabetização como letramento.
3 Felizmente em Cuba a primeira lição da cartilha se intitulava “La Revolución”, o que já permite ensinar as 5 vogais. E Paulo Freire, mais interessado no sentido político do que na pedagogia da alfabetização, felizmente não hesitou em adotar o método global baseado em palavras-chave – para constrangimento de construtivistas freirianos.
Também não ajuda a dizer que tudo depende de tudo – não apenas da política e da sociologia, mas também da linguística e a neurobiologia, que a alfabetização, portanto, é multi-disciplinar. Mas para tratá-la científicamente – como qualquer outro objeto de ciência - é preciso demarcar o terreno dentro do qual é possível desenvolver um discurso científicamente consistente e socialmente produtivo sobre a alfabetização, ou seja, sobre o que significa aprender a ler e escrever e como isso deve ser feito da maneira mais eficaz. O primeiro sentido do termo não nega a importância do segundo objetivo, a compreensão – que é o objetivo mais importante – mas que, conforme comprovado pelas evidências científicas, se logra de forma separada. Confundir o objetivo da alfabetização com o processo como se dá a alfabetização é apenas mais um equívoco conceitual do construtivismo.
III- Duas hipóteses centrais do construtivismo
(i)
A aprendizagem da leitura e escrita como fenômeno natural
Em 1965 Chomsky desenvolveu a idéia de que falar é algo natural. Essas idéias foram confirmadas através de avanços realizados pela neurobiologia e pelas ciências cognitivas, e levaram Pinker (1984) a falar do instinto da linguagem.
Algumas das implicações dessas descobertas serviram de base para colocar em questão e mesmo refutar muitos dos argumentos de Piaget a respeito da aquisição da linguagem e foram registradas no célebre debate de Chomsky e Piaget ocorrido em 1975, pouco antes do falecimento do mestre de Genebra. Estudos realizados sobretudo nas três últimas décadas demonstram que a capacidade para falar é inata e depende de programas que vão sendo desenvolvidos e apurados no contato com a sociedade. Essas descobertas confirmam as teses do interacionismo entre natureza-e-ambiente e realimentam o interminável debate entre esses dois polos nos quais ocorre o desenvolvimento e aprendizagem.
Esses estudos mais recentes mostram que não apenas as crianças, mas também os adultos que com elas interagem são “programados” quanto às formas de responder e facilitar o desenvolvimento e ajuste dos programas linguísticos das crianças às características peculiares de uma língua determinada. Isso permite que a “programação” neurológica genérica que assegura a capacidade inata de aprender qualquer língua seja refinada pela mediação das pessoas – adultos e mesmo crianças mais velhas – que interagem com a criança. Essa mediação também é programada e refletida na forma como os adultos estimulam, interagem e respondem aos esforços de desenvolvimento linguístico das crianças. A interação entre esses dois conjuntos de programas permite às crianças adquirir a sintaxe, fonética, gramática e vocabulário próprios de cada língua – mesmo em ambientes em que os adultos possuem um nível bastante precário de sofisticação lingüística. Essas descobertas, por sua vez, colocam por terra algumas das principais teorias sobre desenvolvimento da linguagem apresentadas na década de 20 por Leo Vygotsky.
É correto dizer, como Chomsky afirmou, que a evolução cuidou do desenvolvimento da linguagem, inclusive dos mecanismos de mediação que permitem sua aquisição. Mas seria correto afirmar, como o fazem muitos construtivistas inspirados sobretudo nas idéias de Smith (1971 e 1973) e Goodman (1986) - que isso também se aplica à leitura e à escrita4? Ou seja, que a leitura e escrita são algo natural?
A resposta correta é uma só, e só pode ser um enfático não. A escrita é uma invenção da humanidade. A escrita alfabética é uma invenção complexa, caracterizada por um elevado nível de abstração. Ela não tem nada de natural. Além disso, a forma da escrita varia em diferentes países – o que coloca em questão a idéia de que a escrita seria algo natural. Se não é natural, como poderia se afirmar que sua aprendizagem também ocorre de forma natural, como é o caso da fala?
A observação empírica mostra que sistemas de escrita variam, da mesma forma que variam as línguas. Mas não há evidência de que as pessoas sabem ou aprendem implicitamente os princípios da escrita de suas línguas. Línguas como o Português, Inglês, Húngaro ou Coreano utilizam o sistema alfabético (que associam unidades gráficas, ou morfemas, com fonemas). Já o sistema da língua Japonesa Kana é de sílabas, em que unidades gráficas correspondem a sílabas. A língua Árabe, o Hebráico ou o Farsi, que é falado em países como o Irã, possui um sistema alfabético modificado. O Chinês é considerado um sistema logográfico, em que os morfemas correspondem a significados, embora existam muitos morfemas de base silábica nesse idioma (DeFrancis, 1989).
Apesar dessa evidência de natureza puramente observacional e empírica, autores como Smith não compartilham dessa convicção. Sua abordagem repousa em uma crença na semelhança entre linguagem falada e escrita. A partir dessa crença – desprovida de qualquer validação empírica - ele afirma que o princípio alfabético é irrelevante para o leitor fluente, e que ensinar as pessoas a decodificar é desnecessário. E vai mais além: afirma que leitores fluentes fazem uso abundante do contexto e de seu conhecimento prévio, de forma a decifrar as palavras e compreender suas mensagens. Segundo ele, leitores gastam pouquíssimo tempo com os detalhes gráficos da página impressa, eles não processam as letras que constituem cada palavra e talvez nem processem cada palavra. Posteriormente veremos como todos esses pressupostos que são esteios fundamentais de métodos de alfabetização construtivistas, além de baseados numa premissa incorreta, foram invalidados pelos estudos empíricos.
Goodman, por sua vez, acentua a facilidade e naturalidade com que a lingua falada é adquirida. Reproduzimos abaixo um parágrafo de sua obra mais popular publicada em 1986, “What’s Whole in Whole Language”:
“Por que razão as pessoas criam a aprendem línguas escritas? Porque elas precisam disso! Como elas prendem essa linguagem (escrita)? Da mesma forma que elas aprendem a linguagem oral, usando-a em eventos literariamente autênticos que respondem às suas necessidades. É comum observar que as crianças apresentam problemas com a língua
4 Idéias como a de fase silábica ou pré-silábica, ou que a criança constrói uma hipótese silábica provêm desse equívoco.
escrita na escola. Isso não ocorre porque a língua escrita seja mais difícil do que a língua oral, ou porque seja aprendida de forma diferente. Isso se deve ao fato de que tornamos o ensino da língua difícil, ao tentar facilitar a sua aprendizagem.... Fizemos de tudo para quebrar a linguagem em pequenos pedaços. Ao isolar a língua escrita de seu uso funcional, ensinando habilidades fora de contexto e focando na língua escrita como um fim em sim mesmo, tornamos essa tarefa impossível para muitas crianças (Goodman, 1986, p. 24).
Claramente Goodman postula duas coisas diferentes, ambas equivocadas. Primeiro que a língua escrita é natural, como a língua falada. Segundo que as crianças aprendem a língua escrita da mesma forma que a língua falada. O primeiro pressuposto é apenas parcialmente correto. A língua falada é uma característica universal da espécie humana, a língua escrita não o foi por milênios e não o é em várias culturas. Ademais, a língua falada é natural no sentido de que as pessoas possuem um equipamento e programação genéticos que lhes permitem desenvolver estruturas fonéticas, semânticas e sintáticas em contato com a linguagem do ambiente em que vivem. É natural que possamos falar, mas falar a língua francesa ou chinesa depende do contexto onde crescemos. O segundo pressuposto, de que as crianças aprendem a língua escrita da mesma forma que a língua falada é empíricamente verificável, e constatado como insustentável. Basta olhar ao redor de nós.
Há outro problema lógico no argumento de Goodman. Do pressuposto que a língua é natural ele infere que aprender a ler deveria ser igualmente natural e simples – bastando para isso enfatizar o sentido e o propósito da leitura. Estendendo seu raciocínio, Goodman afirma que se o objetivo último da alfabetização é fazer sentido do que se lê, é inapropriado e contraprodutivo focalizar a atenção dos leitores nas letras e sons individuais. Dessa confusão entre o processo e o objetivo da leitura surge a idéia de que a leitura tem que ser “whole”, “integral”. Daí também surge a abominação dos construtivistas por quaisquer métodos voltados para o desenvolvimentos de habilidades específicas e compartimentadas que integram o processo de alfabetização no seu primeiro sentido. Alguns radicais do movimento, que propõem definições idiossincráticas sobre o que seja um “texto” chegam a afirmar que até a leitura de palavras isoladas não faz sentido, porque isso desvirtua o “texto” ao quebrá-lo em segmentos sem sentido!
Todos esses argumentos foram detalhamente superados por centenas de evidências empíricas (Adams e Bruck, 1993, Liberman, 1992; Lieberman e Liberman, 1990; Perfetti, 1991). Mas aprofundemos a análise da lógica subjacente a esses argumentos para colocar a nu a fragilidade dos pressupostos do construtivismo e dos métodos de alfabetização dele derivados.
Comecemos pela afirmação geral de que aprender a ler e escrever é algo natural. Certamente essa afirmação não se coaduna com a experiência da humanidade, que levou milênios para descobrir meios de representar a fala através de sinais escritos, que simbolizam, de forma sistemática e predizível, os sons da língua. Essa afirmação também não se coaduna com a existência de inúmeros sistemas diferentes de representação da língua escrita– alfabéticos, ideográficos, silábicos. Se a escrita fosse algo natural, sua representação deveria ser igual em todas as línguas, com apenas variações equivalentes às variações próprias da língua falada. Os raros registros de pessoas auto-didatas que aprendem que aprender a ler e escrever sem qualquer instrução (ou seja, que se auto-
instruem) apenas confirmam a existência de estruturas simbólicas artificiais e arbitrárias nos códigos alfabéticos cujas regularidades podem ser descobertas. O fato de que possam ser descobertas – como o fez Champolion com a Pedra Filosofal ou como fazem os criptógrafos – não as torna “naturais”
Gough e Hillinger (1980) demonstram que, ao contrário do que insinua Goldman, aprender a ler é antes de mais nada um ato anti-natural. Num primeiro estágio, segundo sua teoria, as pessoas associam palavras faladas com aspectos visuais salientes das mesmas. Mas isso não é natural, é aprendido, e mesmo que o fosse, o mero reconhecimento visual não é generativo, não é suficiente para permitir a identificação de novas palavras. No segundo estágio do dominio da leitura as crianças fazem uma análise dos aspectos visuais e dos sons das palavras – e para tanto necessitam da intervenção de terceiros. Esse modelo foi confirmado em diversos outros estudos (Gough, Juel e Griffith, 1992, Byrne, 1992, Share, 1995).
Os erros de lógica não param por aí. Goodman parte de uma observação factual correta – a linguagem falada se aprende naturalmente – para uma série de inferências incorretas ao afirmar que (i) a aprendizagem da leitura e escrita deveria ser igualmente natural e simples e que (ii) bastaria enfatizar o sentido e propósito da leitura para que isso ocorresse. A fragilidade lógica do argumento dispensa análises mais aprofundadas. Smith também não fica atrás: suas afirmações não correspondem à realidade empírica, nem foram confirmadas pelas pesquisas que antecederam e seguiram seu livro.
Ambos autores – e seus seguidores – compartilham um outro erro de inferência lógica: a afirmação (verdadeira) de que a leitura é e deve ser significativa não implica, necessáriamente que a aprendizagem da leitura tenha que ser sempre baseada em contextos significativos, ou textos funcionais, como usado na linguagem de Goldman. O que é um texto literário funcional é uma questão empírica. O que é leitura autêntica, texto autêntico é sujeito a variadas interpretações. Do ponto de vista prático, cabe lembrar que mesmo os textos literários – preferidos nas propostas construtivistas – só são compreendidos por leitores na medida em que o vocabulário desses textos é, de certa forma, adequado à capacidade de compreensão dos leitores.
(ii) O valor de ensinar e aprender a decodificar letras e fonemas
As principais bases de sustentação das propostas construtivistas de alfabetização se concentram nas seguintes afirmações, que são examinadas a seguir à luz das pesquisas e descobertas da psicologia cognitiva realizadas sobretudo nos últimos 30 anos.
(a)
O papel do contexto
Construtivistas afirmam que o contexto ajuda os leitores a “construir sentido” simplesmente a partir de uma pequena amostra das palavras de um texto. Por isso desenfatizam a importância das habilidades de consciência fonêmica, fônica e decodificação, e acentuam o papel do contexto como propiciador e facilitador da aprendizagem da leitura: inunde a sala de aula de livros que o aluno aprenderá a ler!
As pesquisas sobre o tema confirmam exatamente o opisto. O leitor poderá comprovar isso por si só, já que terá notado o erro gráfico na palavra oposto. Leitores experientes lêem todo o texto, a maioria das palavras, quase todas as letras das palavras e raramente se apoiam no contexto para apreender o significado do que lêem. São os leitores lentos que se apoiam no contexto – e com isso aumentam a lentidão e diminuem a quantidade de leitura, e, conseqüentemente, de conhecimentos necessários para interpretar o que lêem.
Comecemos pelo exame da tese central. É fato, verificado pelo senso comum e por inúmeras pesquisas (Yuille e Oakhill, 1991) que leitores proficientes usam o contexto para compreender o sentido da leitura. Leitores proficientes ajustam os objetivos da leitura, fazem inferências, usam o contexto e monitoram sua compreensão durante o processo de leitura.
Mas também é fato que isso ocorre com leitores proficientes, ou seja, leitores que já atingiram um nível razoável de competência para identificar as palavras: contexto não é substituto para desenvolver essa habilidade, ao contrário, ele inibe o seu desenvolvimento. Dois conjuntos de evidência empírica revistos adiante corroboram essas afirmativas e contradizem concepções equivocadas a respeito da importância do contexto para a compreensão da leitura.
Primeiro: leitores proficientes identificam as várias palavras dos textos que lêem. Isso se deve a um fator muito simples, a sensibilidade da retina: os olhos apenas identificam sinais dentro de um ângulo visual limitado a um ou dois graus – o que corresponde a 4-6 espaços à direita do ponto de fixação dos olhos (Rayner e Pollatsek, 1989). Isso permite ler uma palavra focada no centro e algumas palavras adjacentes, mas também demonstra os limites da leitura periférica. É por isso que os leitores devem ler muitas palavras para que a leitura seja eficiente. O contexto ajuda, mas apenas no sentido de diminuir o tempo de fixação dos olhos em palavras mais previsíveis. Mas ele não evita a necessidade de fixação dos olhos para viabilizar a identificação de cada palavra (Ehrlich e Rayner, 1981).
Segundo: é verdade afirmar que leitores utilizam o contexto para ajudar na leitura. Mas o momento e forma de utilizar o contexto varia com o tipo de leitor. Leitores proficientes não utilizam o contexto para identificar palavras: eles usam o contexto para interpretar palavras e sentenças. Leitores pouco proficientes, ao contrário, usam o contexto para identificar as palavras, e com isso, atrasam o ritmo da leitura, sobrecarregam o processamento cognitivo e desenvolvem pouca competência para compreender o sentido das palavras (Stanovich e West, 1981, Perfetti, Goldman e Hogaboam, 1979; Stanonovich, 1980, 1981; Perfetti e Roth (1981). A característica distintiva do bom leitor é sua capacidade para identificar palavras independentemente do contexto, e usar o contexto para compreender o texto.
Em síntese: o contexto é importante para a compreensão do sentido da leitura, mas não para identificar palavras, que é parte do processo de aprendizagem da leitura. Usar o contexto é um componente complexo da linguagem e dos processos cognitivos, não é uma habilidade que decorre simplesmente do hábito de ler.
(b)
o papel da mediação fonológica
No ítem anterior constatamos que os leitores proficientes lêem, ou sejam, localizam e captam visualmente as palavras e as letras que as formam. O próximo passo consiste em saber como esses leitores identificam as palavras que caem no seu horizonte visual.
As abordagens construtivistas pressupõem – sem apresentar evidência empírica – que esse processo consiste numa passagem direta da palavra impressa para a formação (ou construção) do sentido. A evidência empírica é abundante a esse respeito, e aponta na direção contrária: há uma mediação fonológica, inclusive em leitores proficientes (Van Orden, Pennington e Stone (1990), Lukatela e Turvey (1990), Perfetti, Bell e Delaney (1988). Ou seja: leitores proficientes processam visual e fonológicamente a maioria das palavras que lêem, e pronunciam explicitamente palavras novas ou mais difíceis.
Há divergências quanto à intensidade da mediação fonológica, ou seja, se ela ocorreria apenas em algumas palavras - as palavras difíceis, por exemplo - , enquanto as palavras familiares seriam identificadas através de um processo direto de conversão de letras em palavras. Essas divergências referem-se unicamente à freqüência com que ocorre essa mediação, mas convergem no fato fundamental da conexão entre as letras e seqüências de letras e as unidades da fala (fonemas) que são ativadas durante o processo de identificação de palavras. Além disso, pesquisas realizadas com diversas línguas, inclusive línguas não-alfabéticas, confirmaram a ocorrência sistemática do processo de mediação fonológica em diversas línguas, inclusive o Chinês, em que a maioria dos caracteres tem o caráter eminentemente holográfico. (Perfettti, Zhang e Berent, 1992; Perfetti e Zang, 1995.
(c)
a importância de conhecer o funcionamento do sistema da escrita
Na seção anterior vimos como diferentes sistemas de escrita foram desenvolvidos, todos eles baseados em alguma relação entre os grafemas e os sons que eles representam. Em línguas como a chinesa essa relação é mais tênue, pois os grafemas também referem-se ao significado. Já no sistema alfabético os grafemos são totalmente independentes do significado. É exatamente por serem independentes de significado que os leitores de países que utilizam um sistema alfabético ortográfico precisam aprender o princípio alfabético – e não depender do significado par compreender as palavras. O princípio alfabético é a pedra filosofal, constitui a chave para decodificar o alfabeto. O fato de a humanidade ter levado tantos milênios para desenvolver um sistema tão sofisticado pode explicar a dificuldade de muitas crianças em “replicar” essa descoberta (Blitman e Rozin, 1977) e deve ser convincente o suficiente para desestimular o entusiasmo daqueles que postulam que as crianças devem redescobrir, por si sós, essa milenar caminhada da humanidade!
Há diversas razões pelas quais a aprendizagem do princípio alfabético não é trivial, mas que não cabe discutir neste momento. A questão central – que as abordagens construtivistas contestam - é a necessidade do aluno possuir a consciência fonêmica e a competência fonológica, ou seja, possuir a chave que lhes permite identificar palavras a partir do conhecimento da estrutura dos fonemas que as constituem.
Também nesse aspecto a evidência empírica é abundante, e contradiz as afirmações das correntes construtivistas. Liberman, Shankweiler, Fischer e Carter (1974), por exemplo,
demonstraram que não há nada natural ou automático sobre a aprendizagem da língua escrita, e que as crianças têm representações inadequadas dos fonemas. Diversos outros estudos demonstraram a relação entre consciência fonêmica e proficiência na leitura (Fox e Routh, 1976; Lundberg, Olofsson e Wall, 1980, Stanovich, Cunningham e Cramer, 1984, Tunmer, Herriman e Nesdale, 1988).
Essas evidências, baseadas em estudos de correlação, colocam uma questão na pauta: a consciência fonêmica seria causa ou conseqüência de saber ler? Se for conseqûência, os construtivistas teriam razão em insistir que da leitura decorreria a consciência fonêmica. Estudos longitudinais e de treinamento fonêmico corroboram a hipótese de que a consciência fonêmica causa a boa leitura, ou, pelo menos, atua como importante mediador para possibilitá-la. Por outro lado, também existem evidências de que a proficiência na leitura aumenta a capacidade para compreender bem a estrutura fonêmica do código alfabético (Morais, Cary, Alegria e Bertelson, 1979; Morais, Bertelson, Cary e Alegria, 1986). Ou seja, a causação não é linear.
Esses estudos sugerem três implicações. A primeira é que a consciência fonêmica não é automática. Ao contrário, por estarmos habituados a falar, não temos consciência dos fonemas que compõem a fala. Criar essa consciência é essencial para formar um bom leitor. Segundo, o desenvolvimento da consciência fonêmica é limitado quando ocorre fora do contexto de alfabetização: quanto mais proficiente na leitura, maior a consciência fonêmica. Terceiro, a causação é recíproca: a consciência fonêmica surge no contexto da alfabetização, mas uma vez estabelecida, promove importantes ganhos no processo de aprender a ler (Perfetti et alia, 1987).
As implicações dessas evidências para o processo de alfabetização são claras: em primeiro lugar, alfabetizar requer desenvolver primeiro a consciência fonêmica em graus relativamente sofisticados; a segunda implicação é que ler e desenvolver a consciência fonêmica ocorrem paralelamente – e, portanto, podem e devem ser desenvolvidas através de ensino estruturado, que trate analíticamente de cada fonema representado pelos grafemas. A função da consciência fonêmica é a de apoiar a aprendizagem dos “mapas” que relacionam a escrita com os sons, fundamentos do sistema alfabético. Ou seja: a consciência fonêmica é apenas o primeiro passo, que precisa ser complementado com o árduo ensino da codificação. Essas conclusões foram acolhidas - entre outros, pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, seguindo a unânime recomendação de cientistas e estudiosos de alfabetização pertencentes às mais variadas correntes (Snow, 1998).
É importante e oportuno observar que essas recomendações contradizem proposts de correntes como as do construtivismo, que minimizam a importância do aluno compreender como funciona o sistema alfabético e afirmam que para aprender a ler basta motivar o aluno, dar-lhes leituras “autênticas” e fixar-se na compreensão, em “construir” o sentido do texto. Para quem não sabe identificar a relação entre grafemas e fonemas, isso eqüivale a observar eternamente um cartaz escrito em japonês ou sânscrito com a esperança de que o leitor será capaz de decifrá-lo. Ou a deixar alguém aprender a jogar xadrez sem ensinar o nome das peças, as regras para sua movimentação e o objetivo do jogo. O fato de que o objetivo último da leitura seja a compreensão não elimina a necessidade de que o
aprendiz passe por um estágio preliminar de decifrar os códigos que permitirão identificar as palavras que são portadores de sentido. A evidência empírica é convergente: a melhor maneira de formar um bom leitor é ensiná-lo a ler bem.
Esses conjuntos de evidência apontam para uma única direção: para aprender a ler – e compreender o sentido do que se lê - é preciso saber como funciona o sistema alfabético. Leitura proficiente não é um “jogo de adivinhação psicolinguístico”, como afirma Goodman (1967) ou algo que é apenas acidentalmente visual, como sugere Smith (1971). As letras e palavras de um texto são os dados básicos que permitem a leitura. Diversos métodos podem levar a resultados satisfatórios, mas não existem atalhos. Todos os caminhos passam necessariamente por um domínio relativamente sofisticado da consciência fonêmica e das habilidades de decodificação, que são totalmente desprezadas, ou, nos melhores casos, menosprezadas ou consideradas como secundárias pelas correntes construtivistas.
IV-
Aplicações práticas do construtivismo em sala de aula: a evidência empírica
Uma coisa é desenvolver uma teoria e testar seus conceitos, pela análise lógica, e suas hipóteses, através de estudos empíricos. Nesses dois tipos de análise os conceitos e pressupostos chaves do construtivismo aplicados à alfabetização não foram confirmados. Outra coisa é saber se, com ou sem deficiências teóricas ou conceituais, a abordagem construtivista aplicada em sala de aula apresenta resultados positivos.
Descrições de experiências pessoais, teses de mestrado que revelam professores alfabetizando crianças em condições excepcionais, depoimentos não fundamentados de autoridades científicas e discursos políticos não se incluem entre fontes aceitáveis de evidência. Fontes aceitáveis devem se basear em estudos empíricos, de preferência realizados por pesquisadores independentes, baseados em resultados obtidos ao longo de vários anos e com amostragem suficientemente variada de aplicações, em circunstâncias variadas. Tais estudos são inexistentes na literatura publicada no país. Mesmo porque seria muito difícil dizer quanto ou não um método é efetivamente construtivista. Daí, novamente, a necessidade de recorrer à experiência internacional.
Existem alguns estudos baseados em técnicas de observação e questionários que foram aplicados a uma amostra de 123 professores alfabetizadores considerados pelos seus supervisores como excepcionais, e que sugerem que professores excepcionais cobrem todos os aspectos de um bom ensino de alfabetização – não se limitando a um método determinado ou simplesmente a expor os alunos a textos autênticos (Pressley et al. 1996; Korkeamaki e Drehe, 1996). Ou seja: professores de alto desempenho não se limitam a um método determinado, modelam suas atividades a partir de um repertório de métodos em função das necessidades de cada aluno.
Estudos de campo comparativos, por sua natureza já bastante difíceis de conceber e caros para implementar, são relativamente raros. No caso específico, se no campo teórico já é difícil definir a essência e identificar as propostas e hipóteses do construtivismo no campo da alfabetização, do ponto de vista prático torna-se ainda mais difícil identificar métodos de alfabetização construtivistas. E, mais difícil ainda, estabelecer avaliações e
comparações entre esses métodos e outras abordagens. Além disso, salvo em experimentos e situações de alto controle, normalmente os professores adotam diversas abordagens e dificilmente se restringem a uma determinada orientação5.
A evidência teórica discutida na seção anterior sugere que a aplicação de conceitos equivocados dificilmente seria capaz de levar a resultados positivos. Na prática, alguns dos estudos realizados sobre métodos didáticos e sua aplicação em larga escola comprovam essa hipótese no que se refere à aplicação prática de métodos inspirados nessas abordagens.
O conjunto mais sólido de evidências a respeito da comparação de diferentes estratégias de alfabetização em larga escala decorre de um estudo encomendado e financiado pelo Ministério da Educação dos Estados Unidos e que se encontra em fase de conclusão. O trabalho levou 30 anos para ser concluído e abordou nove diferentes métodos. Os resultados finais desse estudo, ainda não publicados, estavam sendo divulgados pelo site www.oregoneducation.org/proft.ignored.htm no momento de conclusão do presente artigo.
Dentre os nove métodos estudados ao longo dessas três décadas, os cinco de base construtivista registraram os piores resultados em todos os critérios – habilidades básicas, habilidades cognitivas e afetivas. Em todos os experimentos os alunos tiveram desempenho inferior aos do grupo de controle. Métodos que se propõem explicitamente a desenvolver competências intelectuais e estratégias cognitivas de alto nível, relegando as habilidades básicas apresentaram desempenho inferior tanto nas habilidades básicas quanto nas estratégias cognitivas de alto nível. Em contraposição, métodos mais estruturados proporcionaram maiores benefícios aos alunos envolvidos – e esses benefícios permaneceram visíveis até o final do ensino médio.
Um estudo realizado por Foorman et al. (1998) no distrito escolar metropolitano de Houston comparou os efeitos de três tipos de enfoque – construtivista, fônico e instrução direta em 285 crianças de 8 escolas. Controlado para diferenças de idade, etnia e QI verbal, os pesquisadores verificaram diversas vantagens em favor do método de instrução direta em relação aos demais. O programa Success for All, desenvolvido por Slavin (Slavin et al.1992) incorpora, entre outras, muitas características do método de instrução direta, e apresenta resultados comprovadamente superiores a intervenções convencionais ou dos tipos analisados por Foorman.
Merece destaque o programa de remediação de problemas de leitura, de orientação construtivista intitulado Reading Recovery, que gozou de extrema popularidade e ampla disseminação nos Estados Unidos. Esse programa foi originalmente desenvolvido por
5 O fato de que a maioria dos professores no estudo já citado A Escola Vista por Dentro respondeu de forma equivocada a perguntas básicas sobre a alfabetização sugere que muitas vezes o que é considerado como “construtivista” não corresponde a nenhum conjunto de hipóteses de trabalho que pudesse ser empíricamente verificável. Mas sugere o estrago que a adoção indiscriminada do termo vem contribuindo para justificar qualquer prática – desde que se chame construtivista é políticamente correto, e, consequentemente, aceitável pelo sistema de ensino. Um estudo realizado por Foorman et al. 1998 no distrito metropolitano de Houston revelou que inúmeros professores denominavam como construtivistas práticas curriculares que tinham enorma variabilidade com respeito à metodologia utilizada.
Marie Clay com base em sua experiência anterior na Nova Zelândia (Clay, 1989) e em relatórios de suas aplicações nos Estados Unidos (DeFord et al (1987), Pinnel et.al. (1995). As inúmeras avaliações a que foi submetido, nos Estados Unidos, evidenciam que, apesar de ganhos observados pelos alunos durante sua participação no programa, em relação ao currículo ensinado, esses ganhos não foram sustentados após o regresso dos alunos às salas de aula convencionais (Hiebert, 1994 A, Shanahan e Barr, 1995), frustrando o objetivo para o qual o programa foi desenhado.
Em síntese, as evidências de natureza lógica, teórica e empírica não confirmam nem os pressupostos nem as hipóteses nem as promessas do construtivismo aplicados à alfabetização. Pelo contrário, sugerem que se trata de uma concepção e de um modelo de processo de alfabetização que foi demonstrado como superado e incongruente com as evidências disponíveis. Dizendo com toda clareza – as propostas construtivistas de alfabetização são inconsistentes com a corpo de evidência teórica e empírica disponível.
O construtivismo não é apenas um método de ensino, ou de alfabetização. Talvez ele nem seja um método de alfabetização. Mas como movimento social, ele representou e pode representar uma importante contribuição para a educação. Para que o construtivismo seja respeitado, e respeitável - é necessário que seus promotores e adeptos, no Brasil, reconheçam as evidências científicas e, com base nelas, e nos aspectos positivos do movimento construtivista, elaborem a necessária revisão de suas posições.
Antes de analisar possíveis caminhos para a alfabetização e para o adequado resgate das grandes linhas de ação do movimento construtivista, cabe compreender as razões da forte popularidade das abordagens construtivistas, especialmente no Brasil.
V-
Razões da popularidade das abordagens construtivistas
Se, apesar das dificuldades de definir o que seja construtivismo e evidenciar o seu efetivo uso na prática, a evidência teórica, experimental e empírica é tão contrária aos seus pressupostos , o que explicaria a popularidade das abordagens construtivistas em geral, e especialmente a de suas propostas de alfabetização? O que explicaria o elevado grau de disseminação dessas idéias entre educadores, professores e alfabetizadores? Em que medida a adesão a essas idéias estaria contribuindo para os baixos níveis de alfabetização e leitura dos estudantes brasileiros?
Um cuidado inicial deve ser registrado. De um lado, não se pode atribuir ao construtivismo ou a seus presumidos seguidores um problema - como o do baixo desempenho dos alunos das escolas brasileiras - que é muito maior do que uma simples questão de métodos didáticos. É conhecido, na literatura, o impacto das variáveis externas às escolas – sobretudo o impacto sócio-econômico. Isso é demonstrado entre países e dentro dos vários países, como por exemplo no relatório da OECD (2001).
No entanto, pelo menos três outros conjuntos de evidência são importantes e apontam para a importância de uma boa escolaridade e para o impacto de escolas eficazes. Primeiro, há países com nível sócio-econômico muito mais pobre do que o Brasil onde os resultados da escolarização são muito melhores. Segundo, há evidências de que mesmo
controlados os fatores sócio-econômicos, há muito o que a escola pode fazer pelo alunos mais carentes, e sobretudo para esses, ela pode fazer a maior diferença. Terceiro, mesmo os alunos de melhor nível sócio-econômico podem aprender mais com um ensino eficaz.
Portanto, sem negar o papel dos fatores sócio-econômicos e sem exagerar o impacto e a importância do construtivismo, cabe indagar se existe alguma relação entre essas propostas e aqueles resultados.
Como observado no início deste trabalho, as abordagens construtivistas são escorregadias e fluidas, difíceis de serem definidas e identificadas com precisão. Na verdade, são parte de um movimento maior, que ocorreu em alguns países do mundo, sobretudo os de língua inglesa. Em diversos países houve uma coincidência entre a redescoberta dos trabalhos de Piaget e dos métodos ativos, nos anos 60, e a insatisfação com os métodos tradicionais de educação, com o ensino, com as limitações do behaviorismo, da instrução programada e, particularmente, com os métodos tradicionais de alfabetização. No caso dos países anglófonos, a complexidade alfabética torna o ensino dos fonemas ainda muito mais penoso e difícil do que em países como o Brasil, onde a correspondência entre grafemos e fonemas é muito maior – daí a frustração ainda maior com esses métodos, que exigem muita prática e repetição.
No Brasil, o movimento construtivista se confunde, no tempo, com inúmeros outros fatores difíceis de serem separados, mas que de modo geral giram em torno da insatisfação com a centralização e o autoritarismo característicos do regime militar vigente entre 1964 e 1985. Motivações de toda ordem convergiram em movimentos que tinham como bandeiras tanto críticas e revoltas como propostas positivas. Esses movimentos surgem como reação a:

propostas de alfabetizar que se limitam a escrever o nome

métodos de silabação e soletração ineficientes e empobrecedores

exercícios mecânicos, cujo objetivo pedagógico maior é o de manter os alunos ocupados

instrução programada e propostas behavioristas ou neo-behavioristas

propostas e métodos de ensino que implicavam na diminuição ou perda da discreção ou autonomia do professor

textos sem sentido (o viúvo viu a ave, vovê vê a uva)

textos de conteúdos, estrutura e vocabulário controlado

ensino compartimentalizado de leitura e escrita

pobreza na provisão de materiais didáticos e de leitura, limitando-se no máximo a uma cartilha

avaliação sob qualquer forma ou pretexto
Do lado positivo, esses movimentos propõem, no campo estrito da alfabetização:

ler é muito mais do que decodificar

aprender a ler exige muitos livros, acesso a literatura de verdade, textos de verdade, experiência com variedades de expressão da língua, escrita criativa

uso de atividades dinâmicas e enriquecedores de aprendizagem, em substituição a folhas de tarefa mecanicistas

aprendizagem conjunta da leitura e da escrita, inclusive de ler a partir do que se escreve

forte ênfase em métodos de descoberta em contraposição ao ensino sob qualquer forma, mas sobretudo ao ensino estruturado do que quer que seja

forte ênfase na leitura como processo de “construção” de sentido
Numa visão mais ampla, esses dois movimentos estiveram associados a outros movimentos de reforma educacional que incluem movimentos em favor de:

idéias decorrentes do movimento da Escola Nova (o progressivismo de Dewey), dos métodos ativos;

revisão dos objetivos da educação. As propostas nesse nível são por vezes contraditórias, incluindo grupos que lutam por uma educação “libertadora”, outros que lutam pelos códigos da modernidade, pela educação para a competitividade, para a inserção no mundo globalizado, etc.;

revisão curricular com maior ênfase em compreensão e menor em conhecimentos e disciplinas

integração curricular e da relevância do ensino

empoderamento e valorização dos professores, no sentido de restaurar sua confiança, autoridade e auto-estima, e de reação contra a burocratização da educação, das escolas e do ensino

educação centrada no aluno, levando em conta as diferenças individuais e a sensibilidade para reconhecer suas limitações e progressos
É difícil identificar pessoas que poderiam se colocar contra a maioria desses objetivos e bandeiras, sejam as reativas sejam as proativas. O que pode explicar o grande sucesso do movimento é o seu caráter de reação e contestação e o elevado nível de generalidade e ambigüidade com que esses objetivos são colocados, permitindo a inclusão de distintos pontos de vista.
Mas isso não é o suficiente – sobretudo no campo da educação, tão cheio de dissenções, contradições e incertezas. Se a evidência científica contrária às teses construtivistas em alfabetização é tão forte e contundente, o que explicaria que tanta gente – incluindo pesquisadores, professores universitários, professores, formadores de professores, técnicos de secretarias e ministérios de educação, editores de revistas supostamente científicas em educação, tantas pessoas com ideologias tão diversas – ficasse na contramão do progresso e das evidências científicas e empíricas?
Uma hipótese - que pode ser empiricamente verificada - é a de que a maioria dos professores, técnicos e mesmo especialistas que se dizem construtivistas não fazem a menor idéia do que isso significa. Raras dessas pessoas leram qualquer obra de Piaget, não sabem em que época viveu Vigotsky ou quais são os fundamentos conceitos, teóricos ou empíricos em que se baseiam métodos construtivistas de alfabetização. Simplesmente ficou sendo políticamente correto ser construtivista. Mas esse argumento é frágil, mesmo porque
dificilmente explicaria tamanho grau de adesão. Se as pessoas são totalmente desinformadas – e muitas talvez o sejam efetivamente – porque aderir a esse movimento, e não a outras correntes de pensamento? Por que Piaget, e não Chomsky, Marcuse ou Freud?
Uma hipótese talvez mais adequada para tamanha convergência reside no espírito anti-científico dessas propostas – que de resto nada tem ver com o rigoroso espírito científico de Piaget. Os principais proponentes internacionais e os “gurus”, inclusive nacionais, do movimento construtivista aplicado à alfabetização descrêem da utilidade de métodos racionais e científicos para o estudo da aprendizagem, da alfabetização, e, de modo especial, de avaliação. Muitos dos adeptos desse movimento também incorporam muitas das teses pós-modernas – sobretudo as referentes ao relativismo científico e às de desconstrução e re-significação da realidade. Um dos resultados dessa atitude é o perfil dos professores dos cursos de pós-graduação em educação, cursos esses cada vez mais carentes de pesquisadores formados em métodos de pesquisa científica, e particularmente, de natureza empírica e quantitativa. Isso também se reflete na escassez de estudos, pesquisas, e, sobretudo de informação que impera no país. Basta analisar as publicações das teses e revistas científicas sobre educação ou visitar as bibliotecas das faculdades de educação para se comprovar a veracidade desta afirmação.
Essa atitude tem ampla acolhida nos setores intelectuais que se intitulam pós-modernos, que tornam suspeita a lógica, a pesquisa empírica, os métodos científicos, as disciplinas científicas e que absolutizam o relativismo. Nesse contexto, em que tudo vale, tudo é legítimo, o discurso substitui a prática, as boas intenções dispensam a análise de resultados, o experimentalismo ocupa o lugar da experimentação, o politicamente correto substitui o cientificamente correto. Parece haver uma mistura de ideologia pós-moderna com atitudes anti-establishment. Há também uma rejeiçao da "cultura dominante", por uma população que inclui professores e intelectuais que, na realidade, nunca participaram desta cultura.
Esta atitude revela, sem dúvida, a tentativa de desenvolver uma cultura alternativa, que não seja a tradicional, dominante, mas que também já não pode ser o Marxismo. Tais tentativas sempre esbarram no risco de cair nos radicalismos extremos, do Taliban a outros sectarismos ideológicos, políticos ou pedagógicos tão comuns entre nós. De todas essas tentativas, no campo da educação, parece ter sobrado o construtivismo, que tem a vantagem de oferecer um bom discurso, e ninguem saber exatamente o que é. Se a rejeiçao às técnicas mais comprovadas de alfabetizaçao faz parte disto, então ela está associada a um quadro muito mais preocupante, de alienaçao social e cultural dos professores, que se revela em coisas que vão dos conteúdos proto-marxistas dos cursos e livros didáticos de geografia e história à mobilização sindicalista de cunho corporativista extremado e à fascinação pelos florais de Bach...
Associando os dois últimos raciocínios - a pouca informação e o predomínio do irracionalismo - abre-se o caminho já percorrido em outras épocas da história para o consenso irrefletido, para a unanimidade burra, para o “group-think”, para o predomínio do pensamento hegemônico. É curioso como a história se repete – e não poupa sequer os meios intelectuais e os grupos mais educados de uma sociedade.
Embora associados às melhores motivações e a muitas tradições positivas da histórica da educação, e apesar das importantes e novas contribuições que trouxeram e continuam trazendo para os métodos de ensino da leitura e da escrita, essa associação com o anti-intelectual, o anti-racional e o anti-científico transformaram o construtivismo aplicado à alfabetização num desserviço à educação, e, particularmente, aos alunos de menor condição social – que constituem a maioria do alunado das escolas públicas do Brasil. O importante é recuperar o lado bom desse movimento e canalizá-lo para objetivos educacionais saudáveis.
VI-
Discussão e saídas
Nesta seção são discutidas três implicações da análise anterior: primeiro, é apresentado um breve panorama dos resultados da alfabetização no Brasil; segundo, é feita uma tentativa de identificação e análise da teia dos fatores subjacentes ao estado crítico do ensino da alfabetização; e, terceiro, são apresentadas algumas sugestões para superar a presente situação.
O nível de alfabetização dos brasileiros
Há diversas formas de analisar o nível de alfabetização dos brasileiros. Os resultados mais robustos provêm das avaliações em larga escala que são realizadas pelo INEP (SAEB), e as comparações internacionais, particularmente as realizadas pela UNESCO/OREALC (2000) e, mais recentemente, pela OECD através do PISA (OECD, 2001). Existem ainda outros tipos de evidência – como os dados demográficos sobre analfabetismo de adultos e alguma evidência esparsa sobre desempenho cognitivo de pessoas que se encontram na força de trabalho. Evidência indireta foi divulgada no ano de 2001 pela Câmara Brasileira do Livro. Essas informações e resultados são amplamente convergentes, e permitem as seguintes afirmações:

a maioria (mais da metade) dos brasileiros com 15 anos de idade não compreende o que lê; isso é válido em relação a textos considerados adequados para ingressar no mundo do trabalho, conforme avaliado pela pesquisa do PISA, quanto em relação a textos apropriados para alunos que concluem a 4ªsérie do ensino fundamental.

três quartos dos brasileiros com 15 anos de idade que ainda se encontram na escola possuem um nível de leitura precário, pouco acima do nível básico de decodificação

levantamentos realizados nos Estados da Bahia, Espírito Santo e Goiás, bem como em dezenas de municípios em todo o país pelas respectivas Secretarias de Educação e pelo Instituto Ayrton Senna, nos últimos quatro nos, revelam que entre 20 e 40% dos alunos defasados das quatro primeiras séries são incapazes sequer de decodificar as palavras que lêem. Extrapolando esses números para o país, isso significa que cerca de 4 a 5 milhões dos 13 milhões de alunos das 4 primeiras séries é totalmente analfabeta

do pequeno grupo de alunos que completa oito anos de escolaridade aos 15 anos de idade, menos de 1% possui um nível de proficiência considerado excelente.
Esse número varia de 5 a 15% nos países avaliados nas pesquisas do PISA/OECDE.

uma análise minimamente criteriosa dos resultados de testes como o ENEM e o ENC (Provão) facilmente revelari que 70% ou mais dos alunos de ensino médio e superior não possuem capacidade de leitura e interpretação de textos compatível com seu nível de escolaridade formal.

os dados do IBGE situam entre 15 e 20 milhões o número de brasileiros maiores de 15 anos considerados oficialmente como analfabetos. O IBGE define como analfabeto quem não sabe escrever um pequeno bilhete ou nota e considera “anafabeto funcional” quem tem menos de 4 anos de escolaridade.

pesquisa realizada no ano de 1977 junto a uma amostra representativa de todos os trabalhadores do setor formal no Estado de Minas Gerais, dos quais mais de 50% possuíam escolaridade abaixo de 8 anos, revela que quase 20% desse grupo não conseguiu sequer ler as instruções do teste (ISCR/ACT, 1997)

levantamento realizado pela Câmara Brasileira do Livro revela que apenas os brasileiros com curso superior – ou seja, menos de 10% da população – compra mais de 6 livros por ano. A maioria dos demais leitores compra pouco ou nenhum livro, sendo que dentre esse grupo maior a leitura mais comum a leitura de livros religiosos, de auto-ajuda e fotonovelas.

o Brasil possui milhares de municípios sem bibliotecas públicas e um número significativo de escolas sem bibliotecas, ou com bibliotecas com menos de 100 livros.

é possível ingressar em escolas de ensino superior sem qualquer competência alfabética

a evidência internacional do PISA/OECD reforça a tese de que a educação continuada e o treinamento em serviço raramente atinge mais de 10 a 15% de uma população, e normalmente se restringe a pessoas com maior nível de escolaridade e desempenho. Isso sugere que as oportunidades concretas e possibilidades de recuperação de deficiências de escolarização através de iniciativas de educação continuada são extremamente limitadas.
A evidência de que somos um país de analfabetos e iletrados com uma pequena elite escolarizada é contundente. Os dados do SAEB colhidos através de 5 avaliações ao longo da década de 90 revelam que a situação não apenas é ruim, mas não está melhorando, e há fortes indícios de que esteja piorando, como sugerido pela avaliação realizada em 1999. Os dados acima também revelam dificilmente contingentes significativos de pessoas que estão na força de trabalho e na escola, atualmente, conseguirão reverter essa situação de forma significativa. Esforços nessa direção, por louváveis que sejam, como os de cursos supletivos, são relativamente caros, difíceis e de resultados muito modestos (Oliveira e Castro, 2001).
Essas evidências e constatações sugerem, portanto, que políticas mais viáveis deveriam se concentrar nos alunos que estão e que entrarão no ensino fundamental nos próximos anos, e que, se adequadamente ensinados, poderão adquirir condições de ler adequadamente e se aproveitar do processo de escolarização. Políticas eficazes e duradouras de alfabetização e ensino da leitura e escrita são as únicas capazes de alterar
esse quadro de forma significativa – e mesmo assim - não terão condição de sanar, no curto e médio prazos – graves deficiências que afetam o desempenho escolar e que pesam sobre um número significativo de alunos, como extremas condições de pobreza e baixo nível de escolaridade e letramento dos pais.
Políticas que contribuem para o atual estado de coisas
Não se pode atribuir ao construtivismo o cáos pelo estado do analfabetismo dos escolares brasileiros. Pelo menos não se pode fazer essa atribuição de maneira não qualificada. Na verdade, as políticas que contribuem para manter esse estado de coisas são muito bem estruturadas e bem articuladas.
Não é preciso esposar uma teoria conspiracionista contra um determinado governo, partido político ou grupo de pedagogos para detectar a consistência dessa articulação. Não se trata de insinuar que o governo venha promovendo sistematica e deliberadamente uma política para manter o povo brasileiro analfabeto. Mas talvez na tentativa de oferecer o melhor – e o melhor que o governo conseguiu encontrar entre o grupo de pessoas que consultou foi o construtivismo - é impressionante a competência do governo, particularmente o federal no período 1995-2001 para dar corpo a um conjunto anteriormente desarticulado e incipiente de iniciativas que culminou num todo articulado e consistente, que inclui, entre outras:
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a adoção, de fato, do construtivismo como ideologia pedagógica oficial, refletida nos PCNS – Parâmetros Curriculares Nacionais, nos critérios de classificação de livros didáticos, nas abordagens para capacitação emergencial de alfabetizadores
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os critérios para avaliação de escolha de avaliadores e nos critérios de avaliação dos cursos de pós graduação em educação, ambos refletindo um caráter marcadamente ideológic, freqüentemente anti-científico e um despretígio (que chegou a ser uma proscrição, em passado recente, ao uso de métodos quantitativos
-
os currículos e práticas de ensino da esmagadora maioria dos cursos de pedagogia
e que por sua vez se refletem
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nas propostas pedagógicas de grande número de Secretarias Estaduais e Municipais de Educação – freqüentemente, inclusive, privando as escolas de elaborar suas próprias propostas, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases
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nas políticas editoriais da maioria das revistas da área de educação – a Revista Ensaio se constituindo numa das poucas exceções.
O problema é que, não tendo o construtivismo se tornado na estrela-guia que se supunha, é preciso desmontar essa teia. Ao invés de propor um novo sectarismo, no mínimo cabe indagar se governos devem esposar ideologias e doutrinas pedagógicas. Históricamente, a associação de governos a doutrinas e preferências pedagógicas sempre esteve fortemente associada a regimes autoritários como o comunismo, o nazismo e o nacional-socialismo. Segundo cabe indagar se não seria mais prudente fomentar a diversidade e pluralidade de posições – respeitadas as normas de produção de evidência e o rigor acadêmico.
Há evidências empíricas e de natureza etnográfica para esclarecer a questão e apontar para novos caminhos. Em poucas palavras:
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a existência de alunos defasados analfabetos nas quatro primeiras séries – cerca de 5 milhões, em todo o Brasil - denuncia a co-existência de uma dupla política perversa dentro das escolas, que é patrocinada ou acobertada pela maioria dass Secretarias de Educação. De um lado, persistem elevados níveis de reprovação – denunciados pelas estatísticas anuais e pelo número de defasados. De outro, há uma política implícita de aprovar alunos – até para a 4ª série - que não sabem ler. As práticas mais usuais de promoção automática vigentes no país não possuem consistência para alterar essa situação.
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não existem evidências de que a repetência traga benefícios para os alunos, a não ser em casos muito especiais (Shepard e Smith, 1990).
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também não existem evidências de que promoção automática seja uma boa solução, ou sequer uma solução. Não existe, na literatura técnica publicada no país, evidência teórica ou empírica a respeito de possíveis vantagens de promoção automática, sobretudo de analfabetos. A literatura internacional revela a permanência de controvérsias e dúvidas sobre o tema, em função dos resultados de pesquisas sobre o assunto. Publicação do Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos (Snow, Burns e Griffin, 1998, p. 267) afirma textualmente que “na ausência de pesquisas mais sólidas, é pouco prudente sugerir, como alguns vêm fazendo, que a prática de retenção nos primeiros anos de escolaridade deva ser inteiramente banida”.
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experiências com programas de alfabetização de alunos defasados, aceleração de aprendizagem e regularização do fluxo escolar baseadas em sólida base teórica e coleta sistemática de dados empíricos (Oliveira, 2001 a e b) revela, entre outros resultados:
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é possível alfabetizar 95% ou mais dos alunos analfabetos defasados num prazo de 4 a 8 meses, com ensino adequado
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é possível acelerar a aprendizagem de alunos defasados com ensino adequado e sua posterior reintegração na escolarização regular
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a falta de avaliação e de publicação sobre o sucesso de outras intervenções deixa no ar importantes investigações. Por que não são publicadas resultados de avaliação desses programas, mesmo quando essas avaliações são feitas? Por que não são feitas avaliações sistemáticas e rigorosas de programas financiados com recursos públicos? Por que, apesar de evidências a respeito de estratégias que funcionam, as políticas públicas para lidar com a questão são extremamente fluidas e precárias – mesmo em estados e municípios que vêm investindo tempo e recursos relativamente vultosos, nessa área?
A necessidade de alfabetizar alunos defasados, verificada pelo autor no curso da implementação de programas de regularização do fluxo escolar colocou-o em contato com a realidade prática do efeito das políticas nacionais e locais, e, conseqüentemente, do construtivismo, sobre o estado atual da questão. Esse contato levou a observar que existem muito poucas pessoas, no país, capazes de articular, de forma minimamente aceitável, o que
seja o construtivismo. Dentre esse grupo, existem menos pessoas ainda capazes de explicitar as implicações do construtivismo para a “construção” de uma proposta de alfabetização. As propostas em geral são muito vagas. No trabalho já mencionado de Oliveira e Schwartzman, 60% dos professores – quase todos de profissão de fé construtivista – declaram nunca haver recebido formação específica para serem alfabetizadores, e apoiam-se sobretudo na idéia de que livros didáticos não servem para alfabetizar, e que professores precisam desenvolver seus próprios materiais de ensino.
Essa fragilidade conceitual é aliada à falta de articulação e instrumentação da maioria das propostas de alfabetização. É isso que, com base na experiência do autor em dialogar com professores e diretores de escola em todo o país, torna possível, no decorrer de uma única conversa, convencer professores a tentar utilizar métodos de alfabetização de comprovada eficácia – ainda que discrepantes da ortodoxia construtivista, como no caso do Método Dom Bosco, que vem sendo utilizado tanto para a alfabetização de crianças defasadas quanto de crianças que ingressam pela primeira vez na escola. Os professores são pragmáticos e se interessam menos pela comprovação de teorias do que pela eficácia de seu trabalho e, em sua grande maioria, querem o sucesso de seus alunos.
Convencer técnicos e burocratas nas Secretarias de Educação é bastante mais difícil. Essa dificuldade decorre, em grande parte, da crença dessas pessoas em que as orientações do governo federal sobre alfabetização e formação de professores alfabetizadores possuem consistência e são capazes de levar a resultados. Daí o imperativo ético para as autoridades burocráticas e profissionais que tomam decisões e fazem recomendações reverem suas posições e recomendações de acordo com critérios defensáveis e aceitáveis na comunidade científica.
Esse conjunto de evidências e observações, inclusive de caráter pessoal, sugerem duas conclusões. Primeiro, que é muito difícil reverter a situação atual e a “hegemonia” do construtivismo sem a colaboração do governo federal e de atores críticos do mundo acadêmico. Eles forem responsáveis por adotar e divulgar essas ideologias, e cabe-lhes agora rever os equívocos, buscar novos caminhos e, sobretudo, evitar recair no erro do dogmatismo metodológico e ideológico. Para isso é necessária uma certa dose de humildade, alguma competência e forte vontade política. Segundo, que a maior dificuldade junto aos professores não é convencê-los sobre os problemas do construtivismo, nem dispor de alternativas concretas e sólidas para apresentar. A maior dificuldade consiste na precariedade de sua formação e na total falta de bibligrafia, teorias, e, sobretudo, de instrumentos, materiais e orientação segura para ajudá-los a alfabetizar todos os seus alunos ao final da primeira série do ensino fundamental. Essa é tarefa para muitas gerações.
Políticas e estratégias
Michel Crozier, estudando fenômenos de mudança socio-cultural, relembra um velho ditado francês: se o peixe apodrece pela cabeça, é pela cabeça que é preciso reconstituir sua saúde.
O ditado é aqui evocado em duplo sentido. Primeiro, no sentido de que quem colocou o problema deve ser o primeiro a recolocá-lo. A primeira palavra as autoridades
científicas e educacionais, através do debate travado dentro das regras da evidência científica.
O segundo sentido é aplicável a todos – leitores e não leitores deste artigo: é preciso abandonar a ideologia no trato das questões de alfabetização e voltar a usar a razão. Alfabetização não é assunto para ser resolvido por critérios políticos ou ideológicos. Qualquer política, de alfabetização ou não, envolve considerações dessas duas e de outras naturezas. Mas alfabetização é assunto técnico, é domínio da psicologia cognitiva, da psicologia da aprendizagem, da psicologia do desenvolvimento e de suas aplicações através da pedagogia. Nesse aspecto, tem que ser submetida ao rigor próprio do método científico e das formas científicamente aceitáveis pela comunidade acadêmica para demonstrar evidências e resultados. Se uma abordagem não funciona, é preciso corrigi-la, ou abandoná-la.
A experiência dos Estados Unidos no que foi denominado de O Grande Debate é bastante interessante, e pode servir como sinalizador de caminhos. Desde 1967 pesquisadores como Jeanne Chall vieram anunciando os caminhos e denunciando os descaminhos que o construtivismo foi engendrando no ensino da alfabetização. Naquele país, os dois campos de batalha teórica se dividiram entre a maioria, os adeptos do movimento de “whole langague”, de inspiração construtivista, e a minoria, que são os adeptos da tradição científica empírica. No campo prático a batalha se travou entre os proponentes e adversários de métodos fônicos. Foi preciso muitos anos e reiterados fracassos dos métodos construtivistas e da ausência do ensino sistemático da alfabetização, inclusive das habilidades de consciência fonêmica, da decodificação e do desenvolvimento sistemático de habilidades fônicas para que a razão voltasse a prevalecer. A publicação do relatório A Nation at Risk, no início da década de 80 erigiu a educação – e alfabetização e ensino da leitura e escrita – em prioridade nacional e assunto de segurança nacional. A intervenção e liderança da Academia Nacional de Ciências daquele país ensejou a sistematização das pesquisas sobre o tema, que foram parcialmente revistas na parte inicial do presente trabalho, e a criação de foros adequados – fora do domínio de feudos construtivistas radicais – para a recolocação do problema.
Os resultados e recomendações levaram à formação de várias correntes de reforma, a mais importante das quais se denomina Learning First Alliance (Aliança para Aprendizagem em Primeiro Lugar) e que congrega as principais entidades responsáveis pelos rumos da educação naquele país, incluindo os dois grandes sindicatos de professores, a NEA (National Education Association) e a AFT (American Federation of Teachers). Entre as recomendações dessa Aliança figuram a necessidade de apoiar programas de alfabetização em evidências científicas e a adoção de parâmetros curriculares extremamente detalhados e específicos para o ensino de leitura e escrita no ensino fundamental6. Isso é dito e assinado inclusive pelos sindicatos dos professores. Não é vergonha reconhecer equívocos – irresponsável é permanecer neles.
6 Um interessante exercício consiste em comparar a objetividade e especificidade dos parâmetros curriculares para as várias séries e disciplinas do ensino básico, em todos os países do mundo, com a generalidade dos parâmetros curriculares de inspiração construtivista adotada no Brasil. Esses materiais são de fácil acesso na internet, e nada justifica o seu desconhecimento pelos profissionais da área.
Em se tratando de um processo, os resultados levam tempo para se fazerem sentir – sobretudo no que diz respeito aos livros e materiais didáticos, que ainda continuam submetidos à vontade de um forte oligopólio cuja importância decisiva é muito semelhante ao papel exercido pelas comissões de avaliação de livros didáticos no Brasil. Mas os progressos já começam a serem observados. Merece destaque o desempenho dos Estados Unidos na avaliação internacional do PISA, em que, apesar do tamanho e grau de heterogeneidade de sua população e sistemas de ensino, situou-se acima da média7.
No Brasil, haveria várias instituições que poderiam assumir a liderança desse processo, como o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciências, o Conselho Nacional de Pesquisas. Se conseguir criar espaço e foros adequados que permitam agir com isenção e romper com as forças que o escravizam aos ditames construtivistas, o próprio Ministério da Educação ou talvez o CONSED, ou a UNDIME, poderiam capitanear um movimento semelhante. Os Reitores e Conselhos Acadêmicos das Universidades e Instituições de Ensino Superior também poderiam, no mínimo, assegurar algum rigor científico nas publicações originárias de seus profissionais e na qualidade dos currículos e programas de ensino, particularmente na área de formação de professores e de alfabetizadores. Equipar bibliotecas com livros e revistas técnicas atualizadas também seria requisito essencial. Revistas científicas poderiam ampliar seus conselhos editoriais para assegurar a publicações de natureza verdadeiramente científica, eliminar o proselitismo e o discurso ideológico vazio e, sobretudo, provocar o necessário debate e confronto de idéias apresentadas segundo os cânones da comunidade científica. Também é necessária a formação de uma massa crítica de doutores em psicologia cognitiva e ciências afins, que possam trazer para o Brasil informações atualizadas e adquirir métodos e técnicas de pesquisas hoje literalmente proscritos de nossas instituições que cuidam da educação e da alfabetização.
Exceção digna de nota encontra-se no Laboratório de Neuropsicolingúistica Cognitiva Experimental da USP, chefiada pelo professor Fernanco César Capivilla. Esse núcleo vem não apenas comprovando empiricamente a validade dos estudos internacionais sobre alfabetização como desenvolvendo conhecimentos e instrumentos originais relevantes para a revisão dos processos de alfabetização no Brasil. Dois trabalhos de publicação recente Capovilla & Capovilla (2000 e 2002) contêm não apenas valiosas referências conceituais e metodológicas como extensa bibliografia nacional produzida pelos pesquisadores do referido Laboratório.
Na área de pesquisas e avaliação, cabem duas considerações. Primeiro, é forçoso aprimorar a legislação e assegurar a publicidade de dados e a publicação de pesquisas realizadas com recursos do setor público. Tornou-se predominante, no Brasil, a pesquisa encomendada e a triagem das publicações. Segundo, cabe retomar, em bases
7 É curioso comparar os comentários dos Ministros de Educação dos Estados Unidos e do Brasil quando da divulgação dos resultados do PISA (Oliveira, 2001). Nos Estados Unidos a insatisfação com os resultados e com os modestos progressos realizados levou a um substancial incremento no apoio à introdução de novos curiculos e programas nos moldes recomendados pela evidência científica.
contemporâneas, mecanismos adequados de financiamento e incentivo à pesquisa educacional.
Mais do que tudo, o país precisa de extensa e variada produção de materiais didáticos para alunos, adequados aos professores e alunos e de eficácia comprovada empiricamente, e textos atualizados para a formação de professores. Esta é tarefa para a qual o setor editorial brasileiro jamais demonstrou vocação e coragem para investir, e onde o setor público frequentemente erra ao patrocinar a produção de materiais de qualidade duvidosa, sem qualquer comprovação de eficácia, e, mais frequentemente, sem qualquer viabilidade prática de implementação. Necessita também, mais do que ENEMs E ENCs, um variado estoque de testes de prontidão e proficiência de leitura, bem como mecanismos adequados e competentes de certificação de alfabetizadores, especialistas em alfabetização e coordenadores pedagógicos8.
O estudo já mencionado de Oliveira e Schwartzman (2002) deixa claro o despreparo da esmagadora maioria dos entrevistados para exercer sua função de alfabetizadores. Mais de 60% declara usar métodos construtivistas ou de inspiração construtivista. Mais de 60% declara não ter recebido formação para alfabetizar, tendo aprendido na prática. Um número significativo desses professores – a esmagadora maioria dos quais decididamente despreparados conforme evidenciado pelas suas respostas a questões técnicas sobre alfabetização - declaram desenvolver seus próprios materiais. Mas na maioria desses mesmos municípios, entre 20 e 50% dos alunos das 4 séries do ensino fundamental são totalmente analfabetos – fato não muito diferente do que ocorre no resto do país.
Esses dados, que colocam a nu a precariedade do sistema nacional de alfabetização revelam, em última instância, que na prática a esmagadora maioria dos professores não tem idéias claras a respeito do que seja construtivismo. Há evidências de que a esmagadora maioria dos professores tem o maior interesse em promover a efetiva aprendizagem de seus alunos, e só não o faz porque não sabe o que fazer. Os professores, mesmo os que, por total ignorância e despreparo, se declaram construtivistas, são e serão aliados de esforços educacionais séries, e estão ávidos por instrumentos eficazes de trabalho. Mais do que o construtivismo, o grande inimigo da alfabetização competente é a falta de preparo dos professores e a desinformação e desorientação promovida por pessoas colocadas em posições de responsabilidade. Como dizia o ditado francês, é pela cabeça que é preciso recuperar o peixe podre. Ou, como sugere um comentarista de versão preliminar desse artigo, quem sabe não seria melhor jogar o peixe podre fora e pescar um fresquinho?
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8 Um esforço preliminar nesta área vem sendo desenvolvido pela Agência de Certificação na Bahia, mas até esse momento não há informações suficientes sobre a qualidade e rigor dos instrumentos utilizados.
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