Bertrand Russell: Grandes pensadores
Um lógico na Educação
A escola deveria ensinar o aluno a avaliar argumentos e evidências para pensar por si mesmo, defendia este filósofo britânico
Márcio Ferrari
Como matemático, Bertrand Russell (1872-1970) foi autor de uma das obras mais intrincadas do século 20. Sua figura pública, no entanto, era bastante acessível. Durante a maior parte da vida, ele escreveu e publicou um grande número de livros de divulgação científica — entre eles um guia da Teoria da Relatividade, do físico Albert Einstein, e uma história da Filosofia ocidental. Além disso, tornou-se um conhecido militante, entre outras causas, do pacifismo e do pensamento lógico aplicado a diversas esferas — como a Educação.
Se houve um ponto em comum entre todas essas atividades, foi o combate ao dogmatismo, em favor de uma radical liberdade de pensamento, o que fez dele um contestador tenaz mas elegante do nacionalismo e da religião. Aos 89 anos, em 1961, Russell foi acusado de incitar a desobediência civil e condenado à prisão após liderar um ato contra as armas nucleares na Inglaterra. A decisão da Justiça britânica provocou o efeito contrário na opinião pública, contribuindo para torná-lo ainda mais admirado.
"Ele era um pensador completo: epistemologia, lógica, metafísica, Ciência, paz, Educação — tudo isso, para ele, estava ligado", diz o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., de São Paulo. "Russell era do tipo dos grandes sábios renascentistas." Sua trajetória intelectual teve início quando, aos 11 anos, descobriu a geometria euclidiana e com ela o entusiasmo de entrever a possibilidade de sustentar todo tipo de conhecimento sobre fundamentos seguros e verificáveis, na tradição do pensador francês René Descartes (1596-1650). "Vindo do campo lógico, Russell preferiu acreditar na objetividade, e não na subjetividade, quando se trata de buscar o que é verdadeiro", explica Ghiraldelli.
Russell e seu tempo
Um século de guerras e armas
Mais do que os avanços da Ciência e da Tecnologia, os conflitos sangrentos do século 20 foram os acontecimentos que mais impressionaram e mobilizaram Bertrand Russell. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele se engajou integralmente numa campanha pacifista e contra o recrutamento militar, o que resultou em duas condenações à prisão e em sua demissão da Universidade de Cambridge, onde era conferencista. Como aconteceu com muitos intelectuais de sua época, a guerra precipitou em Russell uma transição do liberalismo para o socialismo, mas sua simpatia pela Revolução Russa de 1917 durou bem menos do que a dos seus colegas: terminou quando fez uma visita à União Soviética, três anos depois. Mesmo assim, Russell continuou partidário da esquerda e manteve sua ficha de filiação ao Partido Trabalhista britânico até os anos 1960, quando a rasgou em protesto contra o apoio ao envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã. Também como grande parte de seus pares, o filósofo fez uma exceção em seu pacifismo durante a Segunda Guerra Mundial, que julgou necessária para enfrentar o nazi-fascismo, mas a bomba atômica contra o Japão abriu uma fase de ativismo ainda mais intenso. Ele manteve um programa de rádio para advertir sobre os perigos das armas nucleares, fundou com Albert Einstein o Movimento Pugwash, pela paz mundial, e liderou atos antiarmamentistas. Com o apoio da Organização das Nações Unidas, ajudou a fundar o Tribunal Bertrand Russell de Crimes de Guerra, que continua existindo.
Com os métodos modernos de educação e propaganda, tornou-se possível doutrinar toda uma população com uma filosofia que não tem bases racionais para ser verdadeira
Polêmicas teóricas
O trabalho principal do filósofo britânico partiu da convicção de que todos os grandes sistemas lógico-matemáticos que o precederam estavam equivocados por se basearem em um método sintético (não analítico). Para ele, a Matemática era lógica pura e seus princípios podiam ser resumidos a algumas categorias externas a seu campo teórico, como proposições e classes, no lugar de números, por exemplo.
Os avanços nessa investigação, que atingiram seu ponto mais célebre no livro Princípios da Matemática, levaram Russell a esboçar aplicações em outras áreas, como a Psicologia e a Física, e provocaram impacto considerável nos meios filosóficos. Esse trabalho também conduziu o autor a um paradoxo que ele tentou vencer, sem chegar a uma solução cabal, com elaborações cada vez mais complexas. O desafio chegou a ser assumido pelo alemão Ludwig Wittgenstein (1889-1951), que depois rompeu com a linha de raciocínio proposta pelo antecessor.
"Russell pode não ter chegado ao fim de sua teoria realista, mas apostava que outras tradições, não realistas, estavam erradas", observa Ghiraldelli. "E uma coisa é certa: seu realismo não admitia relativismos." Por isso, o filósofo britânico combateu as tendências de pensamento que considerava psicologizantes. No domínio educacional, ele concentrou artilharia contra o norte-americano John Dewey (1859-1952), a quem acusava de relativismo, numa polêmica travada por meio de artigos. "Toda formulação sobre o conhecimento e, conseqüentemente, sobre Educação vinda de Dewey era, para Russell, uma porta aberta para a falta de fibra moral e a fraqueza da investigação teórica", diz Ghiraldelli.
O filósofo britânico via no pragmatismo do norte-americano, que influenciou fortemente a Pedagogia no século 20, uma visão "instrumentalista". Era uma crítica à concepção de que o conhecimento é definido pelas ações que ele propicia — o que se traduz no campo pedagógico no princípio de que o saber só se difunde se estiver vinculado a uma dimensão pragmática. Russell, por sua vez, defendia o valor do conhecimento por si mesmo, baseado na idéia de que ele se torna parte da constituição do sujeito — e isso já modifica a relação com o mundo.
Saber e discernimento
Por tudo isso, dizia, o contato com o saber acumulado ao longo dos séculos é tão importante para a formação das crianças e adolescentes, pois a finalidade da Educação é civilizar. O peso que Russell conferia ao conceito de civilização equivalia, segundo Ghiraldelli, "ao dos iluministas mais benévolos". Isso significa, em termos intelectuais, uma visão geral do conhecimento humano, habilidade técnica na profissão escolhida e o hábito de formar opiniões com base em evidências; moralmente, imparcialidade, generosidade e uma dose de autocontrole; e, no âmbito social, respeito às leis, princípios de justiça interpessoal, determinação de não infligir sofrimento a nenhuma parcela da humanidade e inteligência para adaptar os meios aos fins. Finalmente, o filósofo considerava fundamental a espirituosidade e o gosto pela vida.
Juntas, essas condições garantiriam ao ser humano a capacidade de distinguir por si mesmo o que é verdadeiro e o que é falso, o bem e o mal. A liberdade e a independência mental eram vistas por Russell como conquistas da Educação. O problema é que a maioria das escolas estava a serviço de perpetuar dogmas, convenções e idéias preconcebidas — aquilo que chamava de "mentalidade de rebanho" —, e não um pensamento lógico para permitir à criança tirar as próprias conclusões, junto com um princípio de tolerância que a levasse a respeitar as opiniões alheias. O caminho prescrito para isso era acostumar-se à racionalidade e aos princípios de verificação cuidadosa do método científico, o que implica questionar sempre e, portanto, mudar de idéia. "O problema deste mundo é que os imbecis são categóricos; e os inteligentes, cheios de dúvidas", dizia Russell.
Russell e a escola
Cultivo de cooperação e autocontrole
Tal era o descontentamento de Bertrand Russell com a Educação que, com sua segunda mulher, Dora Black, fundou a escola experimental de Beacon Hill. O empreendimento, que durou cinco anos, deu origem ao livro Educação e Ordem Social. Em Beacon Hill, o casal pôs em prática algumas das convicções do filósofo na área pedagógica. Para ele, a escola deveria tornar as crianças livres intelectual e emocionalmente, mas não que isso seria conquistado simplesmente proporcionando um ambiente de liberdade. Russell não acreditava em desenvolvimento espontâneo nem em virtude inata. Só um esforço intencional construiria nelas o senso de cooperação necessário para a vida em sociedade.
Mas todo cuidado era pouco contra os perigos da autoridade, que, segundo ele, desenvolve comportamento submisso ou rebeldia gratuita. Pior ainda: criava um círculo de autoperpetuação da tirania, porque os que sofreram a repressão adquirem a vontade de exercê-la. Sem a presença de um adulto regulador, no entanto, as crianças tenderiam a se organizar segundo a lei do mais forte, gerando brutalidade. Embora defendesse a função da escola como veiculadora de cultura, Russell lamentava que o efeito freqüentemente fosse o contrário: os alunos adquirem prevenção contra o saber porque não são apresentados a ele como uma fonte de prazer. Num raciocínio análogo, ele identificava no sistema educativo tradicional um traço de sadismo e gosto pela punição perceptíveis mesmo em alguns professores e diretores que se consideravam imbuídos das mais generosas intenções. Muitos adultos, dizia, nem sequer percebem que não gostam de crianças, condição essencial para convencê-las a adotar comportamentos de autocontrole e disciplina. A missão civilizatória e pacificadora da escola só pode ser assegurada com uma nova mentalidade, dizia. Um dos hábitos a deixar de lado era a glorificação dos heróis de guerra. Outra providência, banir o ensino religioso. "Não há nos Evangelhos uma só palavra de louvor à inteligência", escreveu o filósofo.
Quer saber mais?
História da Educação, Paulo Ghiraldelli Jr., 240 págs., Ed. Cortez, edição esgotada
O Melhor de Bertrand Russell, Bertrand Russell, 176 págs., Ed. Bertrand Brasil, tel. (21) 2585-2070, 33 reais
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