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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

José Ortega Y Gasset - Para o filósofo José Ortega y Gasset (1883-1955), todas as coisas estão em permanente processo de mudança. Por isso a vida, do início ao fim, é um aprendizado.

Um pesquisador do conhecimento
Intelectual espanhol dizia que não é possível chegar ao entendimento sem perceber e superar as próprias circunstâncias
Márcio Ferrari

Para o filósofo José Ortega y Gasset (1883-1955), todas as coisas estão em permanente processo de mudança.

Por isso a vida, do início ao fim, é um aprendizado. Fiel a esse princípio, sua obra é uma ininterrupta investigação dos grandes temas das ciências humanas, sem simplificações, mas escrita de modo a ser compreendida por leitores não especializados e isso o tornou um dos intelectuais mais queridos da Espanha na primeira metade do século 20. Portanto, o propósito pedagógico, no sentido mais amplo, faz parte da espinha dorsal de seu pensamento.

"O homem tem uma missão de clareza sobre a Terra", dizia.

Ortega y Gasset tinha uma concepção dinâmica do mundo e da vida humana, além da ambição de revolucionar a tradição filosófica. Por outro lado, sua doutrina social propõe uma organização política de molde aristocrático e se baseia numa avaliação cética das possibilidades do homem comum. No Brasil, seu pensamento foi e continua sendo muito influente, em especial nos meios conservadores.

Em reação às correntes que afirmam a supremacia da razão e àquelas que buscam a verdade absoluta fora do mundo sensível, o filósofo construiu um sistema baseado no que chamou de razão vital. A palavra expressa a racionalidade como função da vida, isto é, algo que não pode ser separado das condições física, psicológica e social do indivíduo.

A verdade também só é alcançável do ponto de vista de cada um.

Essas concepções podem parecer subjetivas, mas não são: para que o funcionamento da existência se estabeleça, é preciso que o indivíduo interaja com a sociedade. "A vida é considerada no sentido que o termo possui na linguagem cotidiana, particularmente como um valor biográfico", diz Juan Guillermo Droguett, professor da Universidade Paulista e do Colégio Internacional Tabor, em São Paulo. "Viver é certamente tratar com o mundo."

Esse é o sentido da mais famosa máxima de Ortega y Gasset:

"O homem é o homem e a sua circunstância". Para ele, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem l

evar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, a começar pelo próprio corpo e chegando até o contexto histórico em que se insere.

A Educação vira um instrumento para que cada um possa conscientizar-se de sua circunstância, relacionar-se com ela e superá-la.

"Se não a salvo, não me salvo eu", conclui o filósofo espanhol.
OrtegaY Gasset e seu tempo

Caos institucional e guerras na Espanha

Nos últimos anos do século 19, a Espanha se encontrava numa profunda crise institucional e moral, que culminou, em 1898, com a derrota na guerra contra os Estados Unidos. O fim do conflito significou para o antigo império marítimo a perda de suas colônias mais importantes: Cuba e Porto Rico, nas Américas, e Filipinas, na Ásia. Paralelamente, surgia a "geração de 98", grupo de intelectuais que procurou buscar na própria cultura espanhola uma nova plataforma de renascimento nacional. Ortega y Gasset foi muito influenciado por esse ideário, embora pertencesse à geração seguinte. O ressurgimento da vida cultural foi acompanhado, nas primeiras décadas do século 20, por muita agitação e fragmentação na política espanhola. O cenário se caracterizou pela emergência dos poderes regionais (sobretudo da Catalunha), o fortalecimento do ativismo sindical, com a presença marcante da ala anarquista, e as composições efêmeras das forças políticas conservadoras, de um lado, e de esquerda, de outro estas últimas agrupadas nas facções que adotaram o rótulo republicano. Para piorar, a Espanha se envolveu numa guerra contra o Marrocos, que havia sido cedido pela França como protetorado. Em 1923, com o apoio do rei Afonso XIII e das tendências tradicionalistas, o general Primo de Rivera desfechou um golpe militar. Sete anos depois, o monarca forçou o militar a renunciar, mas a situação política caótica também o levou a fugir do país. A década de 1930 foi marcada por tentativas de recomposição dos partidos, com uma breve participação de Ortega y Gasset. Em 1936, a situação degenerou na Guerra Civil Espanhola. O enfrentamento motivou militantes de esquerda de todo o mundo a lutar ao lado dos republicanos, mas a vitória foi da extrema direita, liderada pelo general Franciso Franco que governou ditatorialmente até a morte, em 1975.


Realidade relativa

Poder situar-se na realidade, por isso, implica um saber a respeito de questões vitais, algo que só é possível com base no encontro entre o pensamento e o mundo exterior.

"A análise do eu levada em consideração por Ortega y Gasset parte das conquistas da vida", explica Droguett. Os meios para esses avanços não se limitam à capacidade intelectual de fazer descobertas, mas incluem o entusiasmo e o amor seja por um outro ser, seja pela ciência.

"O amor procura e o entendimento encontra", escreveu o pensador.

Assim como não bastam as faculdades mentais, os sentidos também são insuficientes para chegar ao conhecimento, porque são limitados. Conhecer as coisas depende de uma espécie de descoberta que torne possível compreender os aspectos não acessíveis aos sentidos. Como cada ser humano é também uma circunstância específica, a realidade só pode ser apreendida de uma determinada perspectiva. Para Ortega y Gasset, a verdade não é relativa, mas a realidade, sim.

Quanto à trajetória de vida, o filósofo acreditava na existência de uma vocação, não para uma carreira profissional, mas para um rumo que se imprime à existência atendendo a um chamado íntimo, pelo menos no caso das pessoas que sabem ouvi-lo. Assim, somam-se à disposição e ao talento pessoais, mais uma vez a situação inescapável de todas as pessoas: a circunstância. Ortega y Gasset, no entanto, apostava na liberdade de escolha entre as direções possíveis oferecidas pelo meio em que se vive.

Minoria esclarecida

A possibilidade de criar a própria história, e não apenas de ter uma natureza determinada, é o que mantém o ser humano permanentemente voltado para o futuro. Nessa dinâmica, ele constrói uma ética que nada tem a ver com preceitos absorvidos de fora, dependendo de uma fidelidade a si mesmo. Segundo o filósofo, entretanto, apenas uma parte minoritária da humanidade faz uso dessa prerrogativa.

Minoria é também um dos dois fatores necessários para a formação de toda sociedade, segundo Ortega y Gasset. O outro fator é a massa, constituída de pessoas limitadas e com noções obscuras sobre a própria circunstância. Elas são conduzidas e educadas pela minoria.

A emergência e a proliferação do "homem-massa" faziam parte de um fenômeno que o pensador detectava em sua época. Para a sociedade rumar solidamente em direção à renovação intelectual, seria preciso que uma aristocracia esclarecida definisse as diretrizes políticas de modo a evitar a desordem e a violência revolucionária que ocorre quando o homem-massa decide agir apenas por si mesmo.

Em condições normais de funcionamento da sociedade, caberia à elite minoritária o papel de exemplo e à massa, a característica da docilidade, ambas articuladas para que um grupo estratificado decida os rumos da coletividade: uma democracia sem riscos de excesso.

A minoria de que fala o filósofo não é uma classe superior economicamente, mas um grupo formado por pessoas que adquiriram clarividência por meio da cultura e da virtude. O homem-massa não é o mais pobre nem o que teve menos acesso à educação formal. Em sua época, Ortega y Gasset o identificava com o especialista, por ter uma visão rígida e estreita do mundo.
OrtegaY Gasset e a escola

Cultivo de cooperação e autocontrole

O conceito de razão vital é o principal fundamento das idéias de Ortega y Gasset no campo da Educação. O fortalecimento do psiquismo infantil seria o objetivo prioritário, devendo ocupar todo o Ensino Fundamental ou pelo menos as primeiras séries. "Nessa fase, é necessário assegurar e formatar a vida original e espontânea do espírito", diz Juan Guillermo Droguett. "A Pedagogia deve buscar no conhecimento biológico suas motivações e perspectivas antes de tentar incorporar a criança na vida organizada dos adultos."

O pensador espanhol criticava a formação dos professores porque ela estaria orientada para encaixar os alunos numa cultura rígida e previamente sistematizada. "O princípio mecanicista reprime a desordem magnífica e criadora que a criança traz como equipamento vital", afirma Droguett. O ensino deveria introduzir conteúdos e tarefas com ênfase no estudo dos mitos da humanidade , mas na circunstância própria de cada criança. O filósofo espanhol dizia que a escola tradicional educa apenas "para o ontem" e não com vistas ao futuro, do mesmo modo que oferece um preparo individual, mas não para a vida em sociedade. Isso porque não leva em conta que cada aluno se articula, por uma rede de relações, a comunidades cada vez mais amplas. Do ponto de vista da educação política, deveria haver um esforço pedagógico para evitar a "rebelião das massas" (título de um de seus livros). Para que o homem-massa não abandone sua desejável docilidade e caia no erro de assumir a função de exemplo, é necessário reforçar os fins morais da Educação e estimular, na minoria, a missão de esclarecer os demais. Todo ser humano e toda formação social equilibrada, segundo o pensador, são como mecanismos em busca da perfeição. E a escola deveria ser um dos veículos desse processo.

Quer saber mais?
Bibliografia

50 Grandes Educadores, Joy A. Palmer, 308 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 47 reais

Ortega y Gasset A Aventura da Razão, Gilberto de Mello Kujawski, 144 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172002, 24 reais

Ortega y Gasset Uma Crítica da Razão Pedagógica, Juan Guillermo Droguett, 120 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2233-9000, 18,30 reais

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